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FERNANDO DE BARROS E SILVA
Sujismundos
SÃO PAULO - Nos anos 70, o regime militar criou um personagem
chamado Sujismundo. Era uma espécie de antigaroto-propaganda
que fazia muito sucesso. Conforme
seguíamos na TV as peripécias do
porcalhão, o locutor ia narrando em
tom cívico e professoral: "Eis de novo o Sujismundo. Está longe de ser
um exemplo de limpeza. Não se importa com o bem-estar dos companheiros"... Os filmetes terminavam
invariavelmente com o slogan: "Povo desenvolvido é povo limpo!".
A lembrança extemporânea vem
a propósito da aprovação do projeto
Ficha Limpa. Os políticos se tornaram os Sujismundos do Brasil atual.
O clamor popular por decência
não é, a rigor, nenhuma novidade.
De tempos em tempos, a pauta moralizante anima a sociedade. Às vezes, serve ao populismo conservador; em outras, se confunde com
golpes de marketing -basta lembrar do "varre, varre, vassourinha"
ou do "caçador de marajás".
Mas seria injusto negar, por isso,
méritos à iniciativa do Ficha Limpa.
Sobretudo num país que empilha
escândalos em série e cultiva a impunidade, no qual a cultura do patrimonialismo ainda organiza em
larga escala o jogo da política.
Romero Jucá (PMDB), líder do
governo no Senado, chegou a dizer
que o Ficha Limpa era prioritário
para a sociedade, mas não para o governo. Seus colegas perceberam a
tempo que, neste caso, a desconexão com os anseios do país poderia
custar caro -é um ano eleitoral.
Deu-se, então, um jeito de aprovar um projeto, mas de eficácia quase simbólica. Sacia-se o eleitor iludindo a sua boa-fé -eis a mágica.
Desidratada cirurgicamente, a lei
valerá só para condenações futuras
em segunda instância e, segundo
consta, não alcança nenhum dos
mais notórios Sujismundos em circulação no país. Se depender dela,
até Justo Veríssimo está feito.
É bom, portanto, comemorar
com moderação. Quando, no ano
que vem, o PMDB estiver negociando seu apoio ao governo (qualquer
um), lembremos de Sujismundo:
povo desenvolvido é povo limpo!
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