São Paulo, sábado, 21 de maio de 2011

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O governo deve alterar as regras de licitações das obras para a Copa e para a Olimpíada?

NÃO

Cheque em branco nas contratações

ATHAYDE RIBEIRO COSTA

O governo federal pretende flexibilizar as licitações para a Copa de 2014 e para a Olimpíada de 2016.
A ideia só serve para chancelar o péssimo planejamento dos gestores, que, por incapacidade, desídia ou até má-fé, fabricam a emergência da contratação e possibilitam obras superfaturadas ou que demandam aditivos vultosos em indesejável desrespeito ao cidadão.
Lembre-se que o Brasil foi escolhido em 2007 para sediar a Copa.
A proposta de afrouxamento transfere ao gestor, sem a adoção de qualquer critério objetivo, a qualificação de obra ou serviço que favorecerá a Copa e a Olimpíada.
A disposição afronta a Constituição, pois cabe à lei essa tarefa, não podendo o Executivo, mediante critérios subjetivos, apontar qual regime de licitação será adotado, sob o argumento de que a obra é para a Copa ou para a Olimpíada. Trata-se de cláusula intoleravelmente aberta e que favorece a arbitrariedade.
É uma falácia imputar o atraso em obras à lei de licitações ou aos órgãos de controle. Por que razão um trecho de 30 metros na BR-060, entre Brasília e Goiânia, está há cinco meses em obra e sem previsão de conclusão, enquanto a população assiste estupefata às imagens de uma rodovia refeita no Japão em apenas seis dias?
A culpa não é da lei, já que a obra foi contratada sem licitação em razão da emergência. Aliás, por que exatamente surgiu uma cratera numa rodovia que custou tão caro aos cofres públicos?
Na realidade, os grandes problemas envolvendo obras públicas decorrem da deficiência do projeto básico, documento preparatório das licitações, que deve caracterizar objeto a ser contratado.
No modelo proposto, as licitações serão efetuadas sem projeto, não permitindo definir o que será licitado, em afronta à Constituição da República (art. 37, inciso XXI).
Tenta-se transferir às construtoras a responsabilidade de realizar, após a licitação, o projeto da obra.
Isso significa um "cheque em branco" para as empreiteiras, pois a administração ficará refém delas, favorecendo os infindáveis aditivos contratuais, os superfaturamentos e o encarecimento das obras, além de dificultar o controle de qualidade. Visualiza-se um panorama caótico para o país. Ou seja, em vez de fortalecer o controle, pretende-se "liberar geral" e prejudicar o combate à corrupção.
A tentativa fere a Convenção Interamericana contra a Corrupção, promulgada no Brasil por meio do decreto nº 4.410/02. Trata-se de uma violação da obrigação internacional de assegurar um sistema de aquisição de bens e serviços, por parte do Estado brasileiro, fundado nos princípios da transparência, da equidade e da eficiência.
Registre-se que o Mecanismo de Acompanhamento da Implementação da Convenção Interamericana elogiou o atual sistema legal, mas formulou recomendações ao Brasil, para fortalecer os mecanismos de controle e os sistemas de contração de obras públicas de grande vulto.
A tentativa de afrouxar as licitações para a Copa e para a Olimpíada contraria o dever internacional do Estado brasileiro de atuar, no setor de aquisição de bens e serviços, em prol de mecanismos que aumentem a prevenção da ocorrência de corrupção. Não há qualquer razão de interesse público substancial para enfraquecer o sistema de licitações que o país defendeu perante a comunidade internacional.
Em suma, a realização de eventos esportivos no Brasil não permite desprezar a Constituição e a Convenção Interamericana contra a Corrupção, com possibilidade de censura internacional, mediante a adoção de modelo frouxo de licitações, que somente prejudica os cofres públicos e o cidadão.

ATHAYDE RIBEIRO COSTA, procurador da República, é coordenador do Grupo de Trabalho Copa 2014 - 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal.

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