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TENDÊNCIAS/DEBATES
Deve haver regras específicas na Previdência para o Judiciário?
SIM
Por um Estado fortalecido
CLÁUDIO BALDINO MACIEL
Quando os homens saíram das cavernas e criaram a mais rudimentar organização sociopolítica, ela se fundou na defesa do território e na distribuição organizada da justiça. Os profissionais do direito, então, substituíram
os tacapes. Nasceu, assim, com a distribuição da justiça, a semente do Estado.
Após séculos de civilização, nas democracias tem sido a Justiça equidistante
do poder político e dos cidadãos, independente e autônoma dos demais poderes do Estado.
Tal atividade, portanto, gênese do Estado desde a mais incipiente organização da "pólis", é essencial à sua existência e com ele ontologicamente se confunde. Jurisdição e Estado são uma única face da organização político-social.
Privatizar a distribuição da justiça, se
fosse possível, seria a destruição fática
do próprio Estado, além da desconstrução de seu significado político e jurídico. Quando se trata, portanto, de destacar o Poder Judiciário do debate da reforma da Previdência Social, protegendo tal função essencial com regras dotadas das mesmas especificidades existentes quanto a vedações e limitações
impostas aos magistrados, não é de
questão remuneratória e interesses econômicos conjunturais que se trata, senão de compreensão política do que é o
eixo institucional da nação e, portanto,
da estrutura do Estado de Direito democrático.
A blindagem dos membros do Poder
Judiciário, nas democracias, contra a
potencialidade das influências políticas
e econômicas, consiste em um sistema
de vedações desconhecidas em outras
atividades públicas ou privadas (no
Brasil: impedimento de participação na
vida político-partidária, de associação
para fins comerciais, de exercer outra
atividade remunerada, exceto o cargo
de professor, dentre outras). Compõe-se também de prerrogativas (inamovibilidade, irredutibilidade de vencimentos, vitaliciedade) garantidoras de estabilidade remuneratória absolutamente
necessária à natureza singular e especialíssima da função de julgar conflitos de
todos os matizes em uma sociedade a
cada dia mais complexa e aguerrida.
Por isso, o modelo vigente no Brasil
sempre conferiu aos membros do Poder
Judiciário, no plexo das vitais prerrogativas citadas, aposentadoria com proventos integrais e paridade com os vencimentos dos profissionais em atividade. Acaso demande o sistema previdenciário público aperfeiçoamento de aspectos atuariais decorrentes de fatores
contributivos, de idade ou tempo de
serviço mínimo na carreira, a magistratura está pronta a colaborar, preservando-se, porém, justas regras de transição
e, em qualquer hipótese, a integralidade
e a paridade de vencimentos e proventos, porque inerentes às prerrogativas
funcionais da irredutibilidade de vencimentos e da vitaliciedade, postas em garantia dos cidadãos e das próprias instituições democráticas.
Romper esse modelo significará, certamente, debilitar a carreira, diminuir o
Judiciário, retirar atrativos para que
bons quadros do direito submetam-se a
concursos rigorosíssimos e a uma vida
de mudanças de comarcas e de privações não conhecida em outros segmentos da atuação na área jurídica. Se o
mercado oferece mais atrativos, só o
profissional que ali não tem chance, por
insuficiência técnica ou por falta de esforço pessoal, escolherá a carreira de Estado. A decorrência imediata será a desqualificação da magistratura nacional e
a fragilização da instituição. Perde a democracia e perdem os cidadãos.
Além de temerária tal hipótese em
qualquer momento, no atual estágio da
vida nacional ela resulta em notável despropósito: com os altos índices de criminalidade em trajetória ascendente,
com a sociedade refém do medo, não
serão essas questões fundamentais para
o futuro do Brasil enfrentadas por
ONGs ou atividades privadas. O Estado
brasileiro, conquanto deva ser enxuto,
há de ser forte para, em qualquer projeto de futuro democrático e justo, estar
apto a promovê-lo em parceria com a
iniciativa privada. Debilitar a magistratura -e também, por semelhantes
pressupostos, o Ministério Público-
significa atingir o Estado brasileiro em
sua coluna vertebral, fragilizando a viga
mestra de sustentação de seu já frágil
edifício institucional.
A cidadania esclarecida compreende
os princípios ora referidos. Os que julgam que uma sociedade só se faz com
números, e os que não têm discernimento cívico para compreender a relevância e profundidade política da questão, não compreendem. Confia-se que o
Poder Legislativo cumpra uma vez mais
sua tarefa, com sabedoria para julgar o
que é melhor para o Brasil e com coragem para decidir a tal respeito, mesmo
contra o coro demagógico da superficialidade da análise.
Cláudio Baldino Maciel, 47, desembargador do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, é presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros.
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