São Paulo, quarta-feira, 21 de junho de 2006

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ANTONIO DELFIM NETTO

Fundamentos e gafanhotos

NOS ÚLTIMOS 35 anos, o sistema financeiro internacional evoluiu "cientificamente" e separou-se do processo produtivo. Nos anos 70, o financiamento dos países era feito primordialmente por empréstimos bancários diretos: os bancos colocavam os seus papéis no mercado na posição devedora e emprestavam diretamente aos países na posição credora. Eles tinham, portanto, uma enorme solidariedade com a economia dos países devedores, porque dependiam de sua capacidade de pagamento. Depois da grande crise de 1982, os bancos passaram a colocar a maioria dos papéis da dívida diretamente no mercado, em geral aplicadores de renda mais alta e relativamente segura (rentistas, aposentados etc.), ficando, no máximo, com alguma responsabilidade "moral". Nos últimos 15 anos, o mercado começou a ser dominado por administradores profissionais, principalmente de "fundos de hedge". Estes, sem nenhum controle institucional (como têm os bancos), andam, infatigavelmente e em bando, em busca da maior rentabilidade na base de altíssima alavancagem, sem muita preocupação com o risco "no curto prazo": operam, fazem gigantescos "bônus pessoais" e migram para outros "fundos" a apanhar novos incautos. Funcionam como "praga de gafanhotos": pousam num país para explorar as oportunidades de arbitragem, mas, ao menor sinal de risco, deixam em massa a economia abusada e vão desfrutar de outro país sem se importar com os "fundamentos", como o Banco Central Europeu já advertiu... A primeira experiência desagradável que a economia mundial teve com este novo animal foi em 1998, quando o mais famoso fundo de hedge, o "Long-Term Capital Management" (dirigido por dois economistas que haviam recebido o Prêmio Nobel e, de lambuja, por um ex-presidente do FED), quebrou espetacularmente na moratória da Rússia. O seu tamanho (sua alavancagem) era tal que ele devia US$ 14 bilhões a bancos, expondo-os a sérios riscos. Foi quando Greenspan deu uma demonstração de coragem: assegurou liqüidez ao mercado, mas exigiu dos acionistas e dos bancos que participassem dos prejuízos. Nas últimas três semanas, o Brasil tem experimentado os efeitos de tê-los acolhido alegremente na especulação do diferencial entre a taxa de juro interna e a externa. É isso aí: temos hoje uma estrutura financeira internacional que existe para si mesma, alienada da economia real, e que está a exigir cada vez maiores cuidados do nosso Banco Central no uso dos "bons fundamentos" para não espantar os "gafanhotos"... dep.delfimnetto camara.gov.br


ANTONIO DELFIM NETTO escreve às quartas-feiras nesta coluna.


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