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TENDÊNCIAS/DEBATES
Para deixar a clandestinidade
PAULO NASSAR
O Brasil precisa colocar entre as prioridades de sua agenda a regulamentação do lobby, que é atividade legítima, lícita e necessária
EUA, UNIÃO Européia e parte da
América Latina têm mecanismos reguladores das atividades
de lobby. Nós, não. Vivemos de escândalo em escândalo, na promiscuidade
entre público e privado, em meio a
um nevoeiro que não permite distinguir as feições de quem age em favor
de quem e por qual razão.
Mantemos em alguma gaveta do
Congresso seis projetos que regulam
o lobby no Brasil. O mais antigo deles,
de 1989, é de autoria do senador Marco Maciel. De fato, não é uma tarefa
simples normatizar essa atividade,
que é muito complexa, envolve múltiplos interesses e cuja nebulosidade,
que a encobre há anos, é bastante
conveniente a um tipo de gente que
queremos longe. Mas é possível.
O lobby nos EUA tem a "Federal
Regulation of Lobbying Act of 1946",
que o regulamenta. Essa lei foi atualizada em 1995 por causa de uma grande crise ética, que envolveu alguns
membros e vários funcionários do
Congresso e do Executivo, entre os
quais o lobista Jack Abramoff, o centro do escândalo de extensiva corrupção em Washington. Ele usou várias
entidades políticas e corporativas para ganhar dinheiro, pagar viagens e
outros presentes para funcionários e
autoridades do governo federal. Foi
apanhado, julgado e condenado a passar mais de cinco anos na cadeia.
Não foi o único a pagar pelo crime.
Lá, nos EUA, além da lei federal, cada
Estado e muitos municípios têm legislações próprias, que dão transparência às relações com o poder.
A jovem União Européia discutiu
amplamente a atividade de lobby. Enquanto isso, adotou documentos que
estabeleceram princípios gerais para
a conduta dos lobistas. Em 2006, foi
introduzido o "Green Paper on a European Transparency Initiative", oferecendo mais transparência e regras
definidas para os 15 mil lobistas,
ONGs e outros grupos que pretendem influenciar os decisores da UE.
Ao mesmo tempo, o tema foi debatido
em audiências públicas.
Alguns de nossos vizinhos -Argentina, Chile, Colômbia, México, Peru-
têm leis de lobby ou de ética pública.
O Brasil precisa colocar entre as
prioridades de sua agenda a regulamentação do lobby, que deverá servir
para toda a administração pública federal -Executivo, agências reguladoras, estatais, Legislativo e Judiciário-, deverá ser parâmetro a ser aplicado aos Estados, capitais e aos municípios com mais de 200 mil eleitores.
Deverá abranger os setores público e
privado, o terceiro setor, os sindicatos, as associações, as confederações,
as empresas, as consultorias etc.
O fundamental é que, pela regulamentação, se possa identificar quem
representa quem, quais são os interesses em jogo no processo de formação das políticas públicas e se existe
abuso do poder econômico. Também,
o controle dos gastos diretos e indiretos envolvidos nesse trabalho.
É preciso deixar claro que não há
lobby "do bem" ou "do mal". Existem
ações iniciadas por um indivíduo ou
um grupo para influenciar a opinião
de um representante ou um setor do
governo em prol de apoio a sua causa
-que é o lobby. Existe a construção
de uma estratégia de argumentação
com o objetivo de defender uma causa -que é a "advocacy". E existe o
processo de gerenciamento de ações
estratégicas com o intuito de influenciar políticas públicas -que são as relações governamentais. Todas praticadas com técnicas de relações institucionais ou relações públicas.
Já é hora de provocar esse debate
com a sociedade. As questões éticas
relacionadas à promiscuidade entre
público e privado não são novas nem
exclusivas. Devem ser enfrentadas à
luz da atualidade: um mundo aberto,
interligado em redes, sociedades mais
informadas, mais conscientes, desejosas de participação.
Da mesma forma que o público exige das empresas uma nova atitude
-transparência, uma nova maneira
de fazer comunicação e estabelecer
relacionamentos entre marcas, produtos, consumidores, trabalhadores,
sociedade-, o mesmo desejo se repete no âmbito público em relação aos
três Poderes. É exigência inescapável
e presente, que se cobra, se cobrará e
se espera de cada um dos Poderes em
todos os níveis da República.
Lobby só existe em democracias.
Ou seja, são atividades legítimas, lícitas e necessárias. Para o bem delas
mesmas, dos envolvidos e dos interessados e, especialmente, do fortalecimento da nossa democracia, a regulamentação do lobby é urgente. Porque o resto é tráfico de influência, intermediação de negócios entre o setor privado e o setor público. E, pior,
fere de morte nossa liberdade.
Vamos reunir rapidamente representantes de entidades, governo e
personalidades para pensar juntos. E
encontrar um modelo competente,
legal e legítimo de relacionamento
entre a sociedade, as empresas e os
Poderes da República, que saia da
clandestinidade para a transparência.
PAULO NASSAR, 53, jornalista, professor doutor da ECA-USP (Escola de Comunicações e Artes), é diretor-presidente da Aberje (Associação Brasileira de Comunicação
Empresarial) e vice-presidente da Amerco (Associação de
Comunicação Empresarial do Mercosul).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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