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DEMÉTRIO MAGNOLI
Robin Hood
às avessas
O sistema de "barracão" existe
desde os tempos coloniais, mas
não desapareceu por completo. Trabalhadores rurais endividam-se junto
ao fazendeiro, que financia o seu
transporte até a propriedade. O armazém da fazenda (o "barracão") fornece instrumentos de trabalho, vestimenta e alimentos, debitando o custo
na conta dos trabalhadores. Como os
salários miseráveis jamais permitem a
quitação da dívida, o resultado é o trabalho compulsório, que se prolonga
indefinidamente sob o controle de milícias privadas.
O empréstimo com desconto em folha, apresentado por Lula como uma
política social, baseia-se no mesmo
princípio que o sistema de "barracão":
a garantia do crédito é a renda do trabalho, sob as formas de salário ou
aposentadoria. O crédito consignado,
como foi batizada essa modalidade de
desvio da renda dos pobres para o caixa dos bancos, tornou-se o produto financeiro de maior sucesso no mercado, ostentando crescimento de 120%
no último ano. Em maio, somou R$
17,8 bilhões, muito mais que o cheque
especial (R$ 12 bilhões) e o cartão de
crédito (R$ 10,2 bilhões), e proporcionou aos bancos de financiamento a liderança no ranking de retorno sobre o
patrimônio líquido, que antes pertencia aos bancos de varejo. Coincidentemente, o BMG, vaquinha leiteira do
PT, responde sozinho por 40% dos
empréstimos a mais de 2,5 milhões de
aposentados e pensionistas do INSS.
As vítimas principais do "barracão
financeiro" são pessoas de baixa renda, muitas das quais sem acesso a talão de cheque. O limite de comprometimento da prestação é de 30% da renda mensal. Os juros anuais variam de
modo bizarro, desde o abusivo piso
médio de 36% até estratosféricos 77%,
assegurando rentabilidades reais fantásticas com risco quase nulo. O governo federal, promotor do crime
contra a economia popular, também
subsidia os bancos por meio de uma
torrente de propaganda do produto financeiro privado.
Na sua publicidade indecorosa, o
governo proclama que propiciou ao
povo acesso ao sistema financeiro. A
verdade é o contrário: o golpe do crédito consignado ofereceu às instituições financeiras acesso ao mercado
popular. Esse mercado era dominado
pelas redes de varejo de eletrodomésticos, que fingem vender geladeiras
para vender crediário, e pelos agiotas,
que não escondem seu negócio. As
primeiras embutem nos juros o risco
de inadimplência. Os segundos cobram dívidas por meios consagrados.
Os bancos, avessos ao risco e à violência privada, permaneciam à margem do lucrativo filão, até que um governo popular lhes ofereceu uma milícia virtual, que é o seqüestro automático da renda do devedor. Agora, eles
partilham o butim com as quadrilhas
tradicionais de bandoleiros do crédito
popular. Mas o agiota não perde sua
função, pois o comprometimento antecipado da escassa renda dos trabalhadores gera demanda por empréstimos de emergência.
O novo sistema de "barracão" foi
abençoado por um Superior Tribunal
de Justiça que, tratando a Constituição
como papel de embrulho, ignorou a
regra que diz que o salário é impenhorável. O presidente do STJ, Edson Vidigal, o mesmo que classificou como
"incabível" a abertura dos arquivos da
ditadura, recebeu o agradecimento
pessoal de Lula uma hora após o julgamento. Em campanha permanente
por uma cadeira no Supremo, Vidigal
parece não se opor à revogação de nenhum princípio jurídico que possa
cercear a vontade dos poderosos da
hora.
Demétrio Magnoli escreve às quintas-feiras
nesta coluna.
@ - magnoli@ajato.com.br
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