São Paulo, segunda-feira, 21 de agosto de 2006

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JOÃO SAYAD

Festas brasileiras

TODOS OS ANOS , o Carnaval é a mesma coisa. Mudam as cores das plumas, os sambas-enredo são diferentes, mas é a mesma coisa. Em junho, as festas caipiras. Homens com bigodes pintados a carvão, meninas com tranças e laços de fita, "padre", quadrilha e casamento.
Há muito tempo, iguais.
Difícil interpretar o significado dessas festas. No caso do Carnaval, uma catarse coletiva com data marcada. Nas festas caipiras, homenagem a santo Antônio, que pregava para os peixes, a são João e a são Pedro. Antigamente, era a revista "Manchete" que publicava as fotos dos concursos de fantasia no Teatro Municipal do Rio. Asas, paetês, caudas imensas e os mesmos comentários-fantasias caríssimas, trabalho de ano inteiro etc.
Hoje, Carnaval e festas juninas saem na "Caras" e em jornais que ninguém lê no Carnaval. São fotos de caipiras sorridentes, de calça remendada e camisa xadrez (mais "country" do que caipira). Nas fotos carnavalescas, sorrisos debochados ou provocantes. Difícil saber do que estão rindo. O sentido de uma festa é a própria festa. Não adianta procurar por mais nada.
A propaganda eleitoral que começou na semana passada virou uma festa brasileira. Brasileiros brancos, negros, evangélicos, ex-funcionários públicos, aposentados, políticos desde sempre, gordos e magros, com barba ou sem ela, caras comuns ou surpreendentes, surgem na televisão, falando as mesmas coisas. Sou o candidato do desenvolvimento, da saúde, da educação, do combate à corrupção, da mudança. Não esqueça, vote no 45, no 13, no 70. Vote no 2512, dia do Natal, fácil de lembrar.
Falam depressa, olhar fixo no "prompter", como artistas amadores, representando um personagem difícil e que não conhecem.
Depois vêm os filmes -campos de soja com imensas colheitadeiras, fábricas modernas, favelados agradecidos, operários de uniforme, agricultores sorridentes, estradas bem pavimentadas, acompanhados por jingles em ritmo de samba ou de baião.
Desta vez, poucos candidatos professores universitários. Nenhum padre, nenhum intelectual. Números diferentes e discursos iguais.
Os programas eleitorais nos enchem de ternura igual à que sentimos quando pegamos a roupa de um filho jogada no chão, o cigarro do pai no cinzeiro, a bolsa da mulher cheia de coisas inúteis. Parecem coisas vivas, a presença concreta da pessoa querida através de seus pequenos defeitos. No horário eleitoral, o Brasil em pessoa, sonhando com as mesmas coisas de sempre, entra na sala pela televisão como uma porta-bandeira rebolando ou um Jeca Tatu de camisa xadrez.
jsayad@attglobal.net


JOÃO SAYAD escreve às segundas-feiras nesta coluna.


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