São Paulo, domingo, 21 de setembro de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Aprofundamento do mercado pelo Estado

ROBERTO MANGABEIRA UNGER


É preciso quebrar o molde das disputas ideológicas. Há dois séculos que a fórmula central dessas disputas é o Estado contra o mercado

QUANDO O Estado brasileiro quer assegurar o aproveitamento de alguma riqueza potencial ou latente do país, defronta-se com um dilema em quase todos os setores da economia. Isso é importante para nossa estratégia de desenvolvimento nacional. Construir solução, em colaboração com meus colegas ministros, é agora uma de minhas preocupações.
Escolho um exemplo a dedo porque, ao contrário de muitos outros exemplos que poderia dar, ele é "lite".
Não perturba interesses consolidados e poderosos. A tecnologia disponível no mundo para a indústria madeireira evoluiu para trabalhar com as florestas temperadas. Especialmente as de grandes países do hemisfério Norte, como Estados Unidos, Canadá e Finlândia. Tais florestas são mais homogêneas e menos ricas do que a mata úmida. Tal tecnologia não se adequa ao manejo controlado e sustentável de florestas como as que temos na Amazônia.
A tecnologia apropriada, porém, ainda não existe. Nem no Brasil nem em lugar algum. Teria de ser inventada e fabricada. Essa é uma das várias razões pelas quais nossa indústria florestal tem eficiência tão baixa quando comparada, por exemplo, com a indústria madeireira da Finlândia.
O que devemos fazer?
Ao abordar problema como esse, debatem-se os governos com dois modelos insuficientes de atuação do Estado na economia. O primeiro é o da indução do investimento privado por favor fiscal (isenção ou estímulo tributários) e por crédito subsidiado.
O problema é que o investidor privado pode pretender fazer o mínimo para credenciar-se em troca do máximo de ajuda pública. É o regime tradicional de capitalização do lucro e socialização do risco.
A alternativa que o Estado tem é fabricar diretamente dentro do setor público, substituindo o agente privado pelo próprio Estado. A ação governamental fica enfaixada dentro da camisa-de-força das regras que incidem sobre o setor público, incompatíveis com a flexibilidade que o empreendedorismo exige. E, se a ação do Estado vier acompanhada de oligopólio ou monopólio público, o resultado será a supressão da economia de mercado.
Por que nos satisfazermos com essa escolha entre dois modelos insuficientes? Há alternativas. O problema é que requerem o que nos tem faltado: disposição para inovar na maneira de organizar a relação entre o Estado e a iniciativa privada e de estruturar a própria economia de mercado.
Pode o Estado fundar e capitalizar empreendimento dentro das regras de mercado, aguçando a concorrência, em vez de restringi-la. Pode colocar tal empreendimento sob gestão profissional independente. Pode vocacioná-lo para fazer as inovações -como as de tecnologia florestal- que as empresas existentes, nos mercados atuais, não fazem. Pode decompor o processo produtivo em etapas.
E, tão logo quanto possível, pode substituir-se por agente privado em troca de um preço: seja o preço de compra que o agente privado pagaria, seja a participação acionária do Estado, a ser mantida por um fundo público, também independente, nas empresas privadas subseqüentes. É exatamente o que faria um "venture capitalist" -um investidor em empreendimentos emergentes.
Ao atuar dessa forma, o Estado não suprimiria o mercado. Ajudaria a construir ou a aprofundar o mercado: radicalizando a concorrência, provocando a inovação e abrindo mais oportunidade econômica para mais gente de mais maneiras. Custa dinheiro, porém muito menos dinheiro do que custam isenção tributária e crédito subsidiado.
Para isso, é preciso quebrar o molde de disputas ideológicas tradicionais.
Há dois séculos que a fórmula central dessas disputas é o Estado contra o mercado. De acordo com essa fórmula, mais Estado significa menos mercado. É concepção que começa a ceder lugar à outra diretriz capaz de organizar as controvérsias ideológicas do futuro próximo: o debate a respeito das formas institucionais alternativas do pluralismo econômico, político e social. Isto é, da economia de mercado, da democracia política e da sociedade civil livre.
As formas estabelecidas agora nos países ricos e poderosos -sempre nossas referências- fazem parte de universo mais amplo de possibilidades. Para resolver os problemas das sociedades contemporâneas, é preciso abrir esse universo. Para abri-lo, é preciso aliar a política transformadora à imaginação institucional.


ROBERTO MANGABEIRA UNGER , 60, professor titular da Faculdade de Direito da Universidade Harvard (licenciado), é ministro extraordinário de Assuntos Estratégicos e ex-colunista da Folha .

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br


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