São Paulo, segunda-feira, 21 de setembro de 2009

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RUY CASTRO

Cliente na chuva

RIO DE JANEIRO - Quando me tornei cliente de determinado banco, há mais de 40 anos, seu símbolo era um guarda-chuva. Era um banco tão simpático que desafiava a frase do poeta Robert Frost, "um banco é um estabelecimento que nos empresta um guarda-chuva em dia de sol, e o pede de volta quando começa a chover". Bem, este banco não me tomaria o guarda-chuva, se um dia eu o pedisse emprestado.
Pelas décadas seguintes, mudei algumas vezes de cidade, agência e gerente, mas continuei fiel ao guarda-chuva, só traindo-o com outros bancos quando um novo empregador me obrigava a trabalhar com algum banco de sua preferência. Mesmo assim, recebido o pagamento, eu dava um jeito de tirar o dinheiro do tal banco e depositá-lo debaixo do guarda-chuva.
Durante todo esse tempo, fiz amizade com vários de seus gerentes, homens ou mulheres -nem foram tantos, cada gerente ficava anos no posto-, e, com todo respeito, até namorei uma delas. O banco é que se provou infiel ao próprio símbolo, aposentando-o. Desde então, já quebrou, foi socorrido com dinheiro público, fundiu-se com outro que o engoliu e o banco resultante dessa fusão também já foi assimilado por outro.
Minha agência muda de bandeira, mas vou levando minha modesta conta de uma para outra. Até algum tempo, ainda era assistido por simpáticos gerentes, eles próprios atônitos diante dos solavancos. Mas isso já não é possível.
O rodízio de gerentes em minha agência ficou mais rápido do que qualquer cliente consegue acompanhar. Ninguém mais conhece ninguém. E, embora more a cinco quarteirões da agência, quando ligo para lá o telefone toca em... São Paulo. Sou atendido por alguém que nunca me viu, nunca me verá e para quem tanto faz que eu seja seu cliente desde que o banco ainda usava guarda-chuva.


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