São Paulo, quinta-feira, 21 de outubro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

PAINEL DO LEITOR

Herzog
"A tortura dissolve os vínculos éticos de amizade e confiança entre os cidadãos. Um Estado onde ela existe não é mais a casa de todos, porque se transformou num antro onde alguns aniquilam friamente os demais, usurpam o direito e declaram-se os únicos juízes e carrascos, os únicos responsáveis pela segurança e pela tranqüilidade comuns. Ainda existe tortura no Brasil contra pobres e desprotegidos. Ocorreu um pequeno avanço com o fim da tortura aos presos políticos (e o desaparecimento da própria figura ditatorial de prisão política). Torturadores, embora pertençam a uma instituição, não a representam nem a dignificam. É tempo de ampliar a luta contra os torcionários, não de fazer o seu elogio . Tenhamos uma pátria onde o respeito aos corpos e almas de todos seja a regra. Tenhamos democracia. Tortura, nunca mais."
Roberto Romano, professor de ética da Unicamp (São Paulo, SP)

 

"Como militantes de entidades de direitos humanos que trabalham contra a violência policial hoje no Brasil, não podemos concordar com a declaração do secretário especial de Direitos Humanos, ministro Nilmário Miranda, publicada na Folha no dia 19/10, de que, "paradoxalmente, a morte brutal do jornalista (Vladimir Herzog) representou o início do fim de cinco séculos da marcha tenebrosa da tortura no nosso país e, assim, salvou muitas vidas". Ninguém está mais bem posicionado do que o ministro para saber que nunca se torturou tanto no Brasil como hoje. Tortura-se nos presídios, nos centros de detenção provisória, nas delegacias, nas Febens, nas ruas das favelas e dos bairros pobres e periféricos das grandes cidades, bem como nos conflitos rurais e nos hospitais psiquiátricos para pobres. Agentes do Estado e policiais torturam sistematicamente, em todas as partes do Brasil, para obter confissões falsas ou verdadeiras de inocentes, de "suspeitos" e de culpados, Tortura-se como castigo coletivo para humilhar os presos e internos. Tortura-se até à morte. E as vítimas são os pobres, muitas vezes jovens negros. Infelizmente, "o início do fim" da tortura ainda não começou."
Angela Mendes de Almeida, militante do Grupo Tortura Nunca Mais-SP, viúva do jornalista Luiz Eduardo Merlino, assassinado sob tortura no DOI-Codi da rua Tutóia em 1971 e Elzira Vilela e Glayds Peccequillo, do Grupo Tortura Nunca Mais-SP (São Paulo, SP)

Rio de Janeiro
"O artigo "Sonho de Rosinha, pesadelo carioca", de Nelson Motta (Opinião, 15/ 10), é estarrecedor -por imponderado e leviano. O texto resvala, sem rodeios, na apologia do crime. O autor é categórico: "(...) sem o tráfico, que é relativamente organizado e tem razoável controle sobre suas tropas, seria muito pior. Seria a desordem absoluta, o caos urbano, a pilhagem". Basta! Não se pode tolerar essa visão cínica e romântica de que os marginais, em suas ações puramente criminosas, são capazes de gerar controles sociais razoavelmente aceitáveis. Motta parece desconhecer o modus operandi dos facínoras que controlam o tráfico. Hoje, os moradores das favelas cariocas sabem que o Robin Hood desapareceu para dar lugar a bandidos que se impõem pelo medo e pela opressão. Bárbaros, matam, violentam e estupram, ultrapassando todos os limites imagináveis. O mais preocupante é que o articulista expia a culpa dos consumidores, inocentando-os da responsabilidade de financiar o tráfico. Cria-se, assim, o álibi desejado por setores da sociedade que, de manhã, quando confrontados com a realidade, protestam contra a violência, mas, à noite, se entregam ao consumo, fechando a deletéria rota das drogas. Tomado por um laivo niilista, Motta nega todas as hipóteses fundamentadas na prevalência da ordem sobre o crime. Numa inversão de valores abominável, tenta defender um modelo de sociedade em que o tráfico é entendido não como agente do crime e do banditismo puro e simples, mas como uma força marginal de resultados colaterais aceitáveis. O governo do Estado do Rio de Janeiro rechaça categoricamente essa visão. E continuará dando combate permanente a toda e qualquer atividade ilícita, especialmente o tráfico de drogas."
Ricardo Bruno, secretário de Comunicação Social do Estado do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro, RJ)

Resposta do colunista Nelson Motta - Em nenhum momento fiz apologia do crime. Sou uma vitima dele, pois fui assaltado diversas vezes, duas dentro de casa. Basta digo eu! Acho que bandido tem de ser tratado como bandido e que as vítimas das drogas não podem ser tratadas como culpados por uma situação da qual o Estado perdeu o controle. Nova York consome muito mais drogas do que o Rio, mas não tem nem uma fração da criminalidade carioca. Será que o secretário acredita que, com o fim do tráfico, acabaria a criminalidade no Rio de Janeiro?

Educação
"No texto "Secretária diz ser favorável à lei de fomento" (Brasil, pág. A9, 18/10), a secretária Cláudia Costin "esqueceu-se" (ou não foi informada do fato, pois não estava na reunião) de dizer que não foi apenas o deputado Vicente Cândido que se retirou da reunião com o secretário-adjunto da Cultura Edmur Mesquita. Todas as entidades que estavam presentes na reunião -representando as áreas de teatro, dança, artes plásticas, cultura popular, música, literatura, hip hop, cinema e circo- também se retiraram, porque nos sentimos profundamente desrespeitados. Fomos até a secretaria para discutir o encaminhamento do projeto do Fundo Estadual de Arte e Cultura para a Assembléia Legislativa. A secretária, no entanto, não compareceu à reunião e mandou seu assessor para "desconversar" sobre o assunto. Entendemos o recado claramente: a senhora Costin simplesmente não cumpriu o acordo assumido com os artistas. Mas, se de fato é verdade o que declarou à Folha, que é favorável a uma política de fomento à cultura, que o Executivo encaminhe então o projeto para votação na Assembléia Legislativa."
Franscisco Cabrera, presidente da Cooperativa Paulista de Teatro (São Paulo, SP)

Haiti
"Aprecio as idéias de Roberto Mangabeira Unger, mas discordo de sua opinião no artigo ("Aventura subimperial", pág. A2, 19/10). O Exército brasileiro não foi ao Haiti lutar contra ninguém. Não é uma missão de guerra, mas de paz. O Exército está lá sob a bandeira da ONU. Nossas tropas representam não só o Brasil mas também toda a comunidade internacional. O Brasil comanda, pela primeira vez, uma missão de paz no exterior. Isso não é motivo de desonra; pelo contrário, é bom que o Brasil atue como mediador de destaque nas questões internacionais, como nas bem-sucedidas missões em Angola, em Moçambique e no Timor Leste. Desonra seria se nossas tropas abandonassem o povo haitiano, deixando-o à míngua, como parece sugerir Unger. O maior e mais rico país da América Latina merece uma vaga permanente no Conselho de Segurança."
Ronaldo Santos Soares (Santo André, SP)

Aborto
"Sábias as palavras do professor Ives Gandra ("O direito do anencéfalo à vida", "Tendências/Debates", 19/10). Fala-se muito na dignidade da pessoa humana, mas se esquece do direito à vida. Sem ela não é possível haver dignidade. O anencéfalo, antes de mais nada, é um ser humano dotado de vida, ainda que uma mera expectativa. É, ainda, um nascituro, sujeito de direitos, dentre eles o direito à vida, e protegido por nosso sistema legal. Não se trata de fé religiosa e cega ou de crenças absurdas e nefastas como diriam alguns. É uma questão jurídica, sociológica, antropológica. Talvez fosse muito mais digno, superior, que se possibilitasse o nascimento do anencéfalo para uma posterior doação de seus órgãos, fazendo-o assim viver em outras dezenas de crianças. Seria um ato muito mais humanitário que o aborto eugênico."
Gustavo Heiji de Pontes Uyeda, estudante do quinto ano de direito na Faculdade de Direito da Alta Paulista (Tupã, SP)


Texto Anterior: Gonzalo Vecina Neto: A verdade sobre o SUS em São Paulo
Próximo Texto: Erramos
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.