São Paulo, sábado, 21 de outubro de 2006

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VINICIUS MOTA

A tônica do discurso

HÁ ALGUM tempo, meus ouvidos começaram a notar algo estranhamente freqüente na fala de jornalistas do rádio e da TV brasileiros e na linguagem publicitária em geral. Quando enfatizam uma palavra no discurso, acentuam o início do vocábulo.
Ai das aurículas passadistas se a vogal tradicionalmente pronunciada com mais intensidade (a tônica) da palavra não está alocada na primeira sílaba. O resultado é esdrúxulo. "O governo loteou politicamente "dêzesséte" mil cargos na administração". O hábito está tão disseminado que pode ser detectado até na disputa presidencial. Basta prestar atenção às falas do candidato do PSDB ao Planalto. Quanto mais incendiada a mensagem de Geraldo Alckmin, mais carregadas ficam as suas primeiras sílabas.
No debate televisivo de anteontem, como o tucano estava mais contido, mais esparsos foram seus rompantes contra a prosódia tradicional. Mas eles ocorreram. Alckmin acusou o governo Lula de "ômissão" na segurança pública, prometeu trabalhar de forma "íntegráda" com os governadores de Estado e "rêduzír" os índices de violência no país. Quer também um ensino médio "úniversalizádo".
Fico me perguntando qual é a origem dessa variação no modo clássico de falar português. Quem se recorda da vaga de gerundismo -"vou estar enviando um técnico para a sua residência"- que varreu o país há alguns anos sabe que ela estava associada à explosão de serviços de telemarketing e às traduções descuidadas de protocolos oriundos da língua inglesa.
O que estará por trás da síndrome do acento precoce (SAP) no português falado nos meios de comunicação do Brasil? Fácil como culpar o mordomo é encontrar o vilão na língua de Byron, repleta de palavras cujo acento recai nas sílabas iniciais. Na comparação com as línguas latinas, as variações de tom e volume do inglês parecem desempenhar papel mais importante para a inteligibilidade do discurso.
Ouvir o noticiário da CNN ou da BBC e depois passar a algum telejornal brasileiro (de preferência com apresentadores e repórteres mais jovens) é uma experiência interessante. De minha parte, noto uma convergência, meramente impressionista, no ritmo das falas. O leitor está convidado a fazer o teste e tirar suas próprias conclusões. Os lingüistas estão convidados a desmentir as bobagens que este leigo acabou de escrever.
O sociólogo francês Marcel Mauss (1872-1950), em "Les Techniques du Corps", observou que o modo de caminhar das jovens parisienses ("a posição dos braços, as mãos caídas enquanto se anda") era igual ao das americanas. Eram os filmes de Hollywood a induzir mudanças nos hábitos corporais mais sutis em escala global.


VINICIUS MOTA é editor de Opinião.


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