São Paulo, segunda-feira, 21 de novembro de 2005

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JOÃO SAYAD

Manobra errada

Antigamente, estabilidade queria dizer inflação baixa e baixo desemprego. Nos Estados Unidos, 3% de inflação e 4% de desemprego. Na América Latina, inflação de 20%, sem estatística de desemprego.
Naquele tempo, Galbraith previu que um mundo mais próspero e rico demandaria mais bens públicos -segurança, proteção do ambiente, educação como direito republicano etc. Enganou-se completamente.
A prosperidade do mundo aumentou a demanda por dinheiro. Investidores só investem na construção da fábrica nova se puderem trocar as ações rapidamente por mais dinheiro para fazer outro investimento que novamente será vendido. A regra do jogo não é produzir mais bens, e sim produzir mais dinheiro, ativos financeiros líquidos.
Por isso, a partir dos anos 80, estabilidade passou a significar apenas inflação baixa. Sem dinheiro de valor estável, não há investimento. Desemprego deixou de ser critério de estabilidade. Passou a ser "natura" ou o necessário para manter estabilidade de preços. O governante "moderno" de direita ou esquerda tem apenas um objetivo: estabilidade.
Mas a economia capitalista é sempre instável, sujeita a ventos, chuvas e tempestades. Ianomâmis ou esquimós nunca se preocuparam com estabilidade. Estabilidade é carência dos trabalhadores e investidores da economia globalizada.
Por isso, há anseio generalizado por estabilidade, pois estabilidade não há. Nem poderia haver em economia tão dinâmica, que desmancha tudo e cria tantas novidades. Para cada direção do vento que sopra na economia, existe uma ideologia que a justifica, dizendo que é natural, inexorável ou a melhor situação possível. No começo do século passado, o Brasil tinha que ser um país essencialmente agrícola. Agora, a ideologia afirma que basta a inflação ser baixa para haver desenvolvimento.
Para bom piloto, ideologia e ventos não têm importância. O piloto safo leva o barco para qualquer destino com quase todos os tipos de vento.
Velejar a favor do vento, com vento de popa, é a pior alternativa. O barco anda devagar e fica instável. Contra o vento, o barco aderna, desconfortável para marinheiro de primeira viagem, mas anda mais e com mais estabilidade. Dando bordos, mudando a direção do barco com relação ao vento, é possível chegar a qualquer destino.
Há três anos que a economia brasileira navega com vento de popa: superávit primário elevado e juros reais de 10%. Segue um manual ideológico sobre o qual não refletiu. Estamos andando devagar e a situação é instável -a dívida pública não diminui apesar do superávit, o dólar fica barato e o crescimento é insatisfatório.
O governo quer mudar o rumo -reduzir o superávit primário e manter os juros. É manobra errada: a dívida crescerá e gastos maiores por um ano não ajuda. O próximo governo terá que voltar atrás.
A manobra certa é baixar os juros e manter o superávit. A dívida pública diminuiria, o dólar ficaria mais caro e a economia cresceria mais. Deveria ter sido feita muito antes. Agora é tarde, vamos dar o bordo errado, pois já chegou o ano das eleições.


João Sayad escreve às segundas-feiras nesta coluna.
@ - jsayad@attglobal.net


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