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São Paulo, domingo, 21 de dezembro de 2003

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MUDAR DE RELIGIÃO

Um dos muitos dados interessantes revelados por uma pesquisa sobre religião do Centro de Estudos da Metrópole, do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), publicada na semana passada pela Folha, é o de que um em cada três paulistanos já trocou de igreja. Essa informação corrobora tendência, já verificada por outras enquetes e também pelo Censo 2000, de que a fé, cada vez mais, é encarada como uma espécie de "mercadoria". Se as coisas não estão dando muito certo para a pessoa com o seu credo de origem, por que não mudar para uma nova congregação? Muitas delas ainda prometem trazer progresso material para os seus fiéis ou mesmo curar-lhes moléstias graves.
Não seria exagero falar em hiperconcorrência entre religiões. E, nesse "mercado", é a crença mais tradicional, o catolicismo, que está perdendo mais fiéis para competidores vorazes. De acordo com o IBGE, em 1991 declaravam-se católicos 83,76% da população brasileira. Em 2000, essa proporção caiu para 73,8%. Os grupos que mais cresceram foram o dos evangélicos, que passaram de 9,05% para 15,45%, e o dos que afirmam não possuir religião nenhuma, com um aumento de 4,78% para 7,28%.
Existem várias explicações para o fenômeno. Entre as mais óbvias destacam-se a comunicação agressiva dos evangélicos e sua capacidade de dar respostas concretas às carências dos fiéis. Mas fenômenos complexos como o da religiosidade costumam encerrar múltiplas causas, que podem incluir fluxos migratórios e até a geografia física da área onde o templo se encontra instalado.
A Folha adota o princípio republicano de que todas as religiões devem ser respeitadas e merecem igual proteção da lei. Nessa ótica, a nova demografia da fé apresenta traços positivos. Ela indicaria que a diversidade é mais bem aceita do que era no passado. As pessoas se sentem livres para abraçar a religião com a qual mais se identificam sem o temor de romper com a tradição. O expressivo aumento do grupo dos que não se identificam com nenhuma religião seria uma prova da validade dessa tese.
É claro que essa tolerância ainda é incipiente. Grupos como o das religiões afro-brasileiras ainda se queixam de ser discriminados. Reclamam, por exemplo, de não poder realizar seus rituais em hospitais, direito que se concede a ministros de outros credos. Líderes afro-brasileiros lamentam especificamente a pregação antiumbandista de certas denominações evangélicas que por vezes chega perto da violência.
O poder público precisa de fato cuidar para que todos os credos sejam respeitados e que a paz religiosa seja mantida. A única forma de fazê-lo é com um Estado rigorosamente laico, que tenha isenção o suficiente para garantir a liberdade e a pluralidade dos cultos. Uma das piores chagas que periodicamente se abate sobre o homem é a das guerras de religião. O Brasil, nesse campo, oferece ao mundo um notável exemplo de convivência pacífica entre as diferentes crenças. É patrimônio que ninguém tem o direito de pôr a perder.



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