São Paulo, sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

Terceirização de laboratórios na saúde pública

CARLOS FREDERICO DANTAS ANJOS e VLADIMIR SILVA SOUZA

Terceirizar os serviços especializados pode pôr em risco o sistema de vigilância epidemiológica hospitalar em doenças infecciosas

O LABORATÓRIO do Instituto de Infectologia Emílio Ribas (IIER) está sendo terceirizado pela Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo. A razão alegada é de "ordem financeira, pela vantagem do ponto de vista da redução de custos".
A forma é por contratos de gestão de serviços laboratoriais, em que são incluídos hospitais da rede estadual de saúde, com gasto inicial estimado para dois meses (novembro e dezembro) de R$ 2.333.898,34.
Há hoje um debate na área da saúde sobre os custos hospitalares, especialmente dos serviços laboratoriais, bem como sobre o gerenciamento das unidades hospitalares com pouca eficiência, morosidade, falta de metas, equipamentos e insumos. Muitas vezes, funcionam com ociosidade e/ou subutilização, com pouca integração à rede do SUS e com um planejamento de despesas e compras de equipamentos e insumos feito em nível de cada unidade, contribuindo assim para os altos custos hospitalares, sobretudo dos exames laboratoriais.
No momento, está em discussão a temível terceirização do laboratório clínico do centenário hospital Emílio Ribas, internacionalmente reconhecido como referência em doenças infecciosas e em saúde pública e cujo papel no controle das doenças transmissíveis, emergentes e reemergentes é fundamental. Terceirizar os serviços especializados, referência hospitalar, poderá pôr em risco todo o sistema de vigilância epidemiológica hospitalar em doenças infecciosas.
Outra preocupação diz respeito à questão da qualidade dos exames realizados por laboratórios terceirizados ou "quarteirizados", cujo controle de qualidade foge ao domínio da saúde pública. O exemplo maior no município de São Paulo foi o malfadado PAS.
A razão alegada de "contenção de custos" não pode resumir as ações de saúde pública apenas ao aspecto financeiro. Ainda são tímidas as ações para uma melhor administração dos "altos custos" envolvidos na administração de serviços hospitalares.
A terceirização ou "quarteirização" dos serviços laboratoriais parece ser a solução mais fácil. Porém, alertamos, poderá trazer sérios prejuízos ao atendimento, ao ensino, à pesquisa e à qualidade dos serviços, além do desmantelamento de toda uma equipe de trabalho altamente especializada em diagnóstico laboratorial.
O laboratório do IIER é referência importante para diagnóstico de doenças como HIV, HTLV, sífilis, hepatite, leptospirose, hantavirose, febre maculosa, doença de chagas, filariose, meningite, difteria, dengue e malária, esta inclusive para a rede privada de saúde. Junto com o Instituto Adolfo Lutz, são realizados exames e classificados os tipos e sorotipos de doenças de importância epidemiológica em saúde pública.
Também realizamos pesquisas de bactérias multirresistentes, com culturas de vigilância, fundamentais para a rápida detecção e o controle de surtos de infecções hospitalares. Com algumas mudanças realizadas, hoje fazemos em até duas horas o diagnóstico de tuberculose, malária, dengue e HIV, além de exames de liquor para diagnóstico de meningites.
Chamamos a atenção para o grave risco à saúde pública, especialmente a vigilância epidemiológica de doenças infecciosas, pelo papel estratégico que o hospital Emílio Ribas exerce no atendimento dos pacientes em situações de endemias e epidemias.
Dessa forma, o corpo clínico do IIER manifesta seu desacordo e sua preocupação quanto à terceirização do laboratório, o desmonte de seu corpo de técnicos e os prejuízos advindos à qualidade do atendimento, ao ensino e à pesquisa.
Propomos um outro tipo de contrato de gestão, baseado em metas de desempenho, qualidade e eficiência, sustentabilidade financeira e uso mais eficiente dos recursos de custeio, com centralização de compras de equipamentos, reagentes e kits para os hospitais, ampliação dos serviços oferecidos pelo laboratório à rede do SUS, tornando melhor a relação custo/benefício para o Estado.
Reafirmamos a disposição de continuar a estabelecer com a Secretaria da Saúde negociações efetivas no sentido da melhoria da qualidade da assistência hospitalar no IIER, centro de referência nacional em doenças infecciosas e integrante da rede de hospitais de ensino do MEC/MS.
É preciso estabelecer um novo processo de "accountability" na performance e na aplicação dos recursos financeiros e relativo ao atendimento, às necessidades e às expectativas dos usuários.


CARLOS FREDERICO DANTAS ANJOS, 52, médico, doutorando em medicina pela USP, é diretor clínico do Instituto de Infectologia Emílio Ribas.
VLADIMIR SILVA SOUZA, 44, médico, é presidente da Associação dos Médicos do Instituto de Infectologia Emílio Ribas.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

Texto Anterior: Frases

Próximo Texto: Elisa Bracher: Cuidado público

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.