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TENDÊNCIAS/DEBATES
Terceirização de laboratórios na saúde pública
CARLOS FREDERICO DANTAS ANJOS e VLADIMIR SILVA SOUZA
Terceirizar os serviços especializados pode pôr em risco o sistema de vigilância epidemiológica hospitalar em doenças infecciosas
O LABORATÓRIO do Instituto de
Infectologia Emílio Ribas
(IIER) está sendo terceirizado
pela Secretaria da Saúde do Estado de
São Paulo. A razão alegada é de "ordem financeira, pela vantagem do
ponto de vista da redução de custos".
A forma é por contratos de gestão de
serviços laboratoriais, em que são incluídos hospitais da rede estadual de
saúde, com gasto inicial estimado para dois meses (novembro e dezembro) de R$ 2.333.898,34.
Há hoje um debate na área da saúde
sobre os custos hospitalares, especialmente dos serviços laboratoriais,
bem como sobre o gerenciamento das
unidades hospitalares com pouca eficiência, morosidade, falta de metas,
equipamentos e insumos. Muitas vezes, funcionam com ociosidade e/ou
subutilização, com pouca integração
à rede do SUS e com um planejamento de despesas e compras de equipamentos e insumos feito em nível de
cada unidade, contribuindo assim para os altos custos hospitalares, sobretudo dos exames laboratoriais.
No momento, está em discussão a
temível terceirização do laboratório
clínico do centenário hospital Emílio
Ribas, internacionalmente reconhecido como referência em doenças infecciosas e em saúde pública e cujo
papel no controle das doenças transmissíveis, emergentes e reemergentes é fundamental. Terceirizar os serviços especializados, referência hospitalar, poderá pôr em risco todo o
sistema de vigilância epidemiológica
hospitalar em doenças infecciosas.
Outra preocupação diz respeito à
questão da qualidade dos exames realizados por laboratórios terceirizados
ou "quarteirizados", cujo controle de
qualidade foge ao domínio da saúde
pública. O exemplo maior no município de São Paulo foi o malfadado PAS.
A razão alegada de "contenção de
custos" não pode resumir as ações de
saúde pública apenas ao aspecto financeiro. Ainda são tímidas as ações
para uma melhor administração dos
"altos custos" envolvidos na administração de serviços hospitalares.
A terceirização ou "quarteirização"
dos serviços laboratoriais parece ser a
solução mais fácil. Porém, alertamos,
poderá trazer sérios prejuízos ao
atendimento, ao ensino, à pesquisa e
à qualidade dos serviços, além do desmantelamento de toda uma equipe de
trabalho altamente especializada em
diagnóstico laboratorial.
O laboratório do IIER é referência
importante para diagnóstico de doenças como HIV, HTLV, sífilis, hepatite,
leptospirose, hantavirose, febre maculosa, doença de chagas, filariose,
meningite, difteria, dengue e malária,
esta inclusive para a rede privada de
saúde. Junto com o Instituto Adolfo
Lutz, são realizados exames e classificados os tipos e sorotipos de doenças
de importância epidemiológica em
saúde pública.
Também realizamos pesquisas de
bactérias multirresistentes, com culturas de vigilância, fundamentais para a rápida detecção e o controle de
surtos de infecções hospitalares. Com
algumas mudanças realizadas, hoje
fazemos em até duas horas o diagnóstico de tuberculose, malária, dengue e
HIV, além de exames de liquor para
diagnóstico de meningites.
Chamamos a atenção para o grave
risco à saúde pública, especialmente a
vigilância epidemiológica de doenças
infecciosas, pelo papel estratégico
que o hospital Emílio Ribas exerce no
atendimento dos pacientes em situações de endemias e epidemias.
Dessa forma, o corpo clínico do
IIER manifesta seu desacordo e sua
preocupação quanto à terceirização
do laboratório, o desmonte de seu
corpo de técnicos e os prejuízos advindos à qualidade do atendimento,
ao ensino e à pesquisa.
Propomos um outro tipo de contrato de gestão, baseado em metas de desempenho, qualidade e eficiência,
sustentabilidade financeira e uso
mais eficiente dos recursos de custeio, com centralização de compras
de equipamentos, reagentes e kits para os hospitais, ampliação dos serviços oferecidos pelo laboratório à rede
do SUS, tornando melhor a relação
custo/benefício para o Estado.
Reafirmamos a disposição de continuar a estabelecer com a Secretaria
da Saúde negociações efetivas no sentido da melhoria da qualidade da assistência hospitalar no IIER, centro
de referência nacional em doenças infecciosas e integrante da rede de hospitais de ensino do MEC/MS.
É preciso estabelecer um novo processo de "accountability" na performance e na aplicação dos recursos financeiros e relativo ao atendimento,
às necessidades e às expectativas dos
usuários.
CARLOS FREDERICO DANTAS ANJOS, 52, médico, doutorando em medicina pela USP, é diretor clínico do Instituto de Infectologia Emílio Ribas.
VLADIMIR SILVA SOUZA, 44, médico, é presidente da
Associação dos Médicos do Instituto de Infectologia Emílio Ribas.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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