São Paulo, domingo, 22 de janeiro de 2006

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CLÓVIS ROSSI

No porão da Europa

LISBOA- Era uma vez um tempo em que um dos principais produtos portugueses de exportação era sua própria gente. Longos anos de desesperança fizeram levas e mais levas de portugueses buscarem futuro em outra parte, Brasil inclusive.
Hoje, Portugal importa até médicos. Já há 1874 médicos espanhóis trabalhando em Portugal, no bojo de um processo de liberalização do movimento desse tipo de profissionais em toda a Europa (a própria Espanha é também importadora de médicos, em especial poloneses).
O médico polonês ganha em sua terra, na média, 300 euros mensais. Na Espanha, o salário é dez vezes maior (no serviço público, é bom que se diga). No Brasil, muito consultório privado não chega a esse nível de renda (cerca de R$ 9 mil).
Pena que o livre movimento de pessoas, que deveria ser corolário do livre movimento de capitais e bens, seja apenas relativo. Não vale, na Europa, para médicos não-europeus nem para profissionais menos badalados, especialmente os que não têm diploma universitário.
Aí, entra o Brasil. Hoje, brasileiro em Portugal é sinônimo de garçom e peão da construção civil, para não mencionar prostitutas (ou jogadores de futebol, únicos profissionais brasileiros que o mundo reconhece como de excelência).
Uma pesquisa de 2003 da Casa do Brasil de Lisboa confirma cientificamente a impressão empírica: 42,6% dos migrantes trabalham no comércio (basicamente restaurantes) e 32% são operários, majoritariamente da construção civil.
A inversão do fluxo migratório entre Brasil e Portugal conta muito da história de desesperança dos dois lados do Atlântico. Ao integrar-se à Europa, Portugal recuperou o futuro, por muito que haja hoje desânimo pela estagnação econômica dos últimos cinco anos.
O Brasil (ou os brasileiros) se integra à Europa (ou a Portugal) no porão do emprego que o português não quer mais. Até quando?


@ - crossi@uol.com.br


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