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CLÓVIS ROSSI
No porão da Europa
LISBOA- Era uma vez um tempo em que um dos principais produtos portugueses de exportação era sua própria gente. Longos anos de desesperança fizeram levas e mais levas de portugueses buscarem futuro em outra parte, Brasil inclusive.
Hoje, Portugal importa até médicos. Já há 1874 médicos espanhóis
trabalhando em Portugal, no bojo de
um processo de liberalização do movimento desse tipo de profissionais
em toda a Europa (a própria Espanha é também importadora de médicos, em especial poloneses).
O médico polonês ganha em sua
terra, na média, 300 euros mensais.
Na Espanha, o salário é dez vezes
maior (no serviço público, é bom que
se diga). No Brasil, muito consultório
privado não chega a esse nível de renda (cerca de R$ 9 mil).
Pena que o livre movimento de pessoas, que deveria ser corolário do livre movimento de capitais e bens, seja apenas relativo. Não vale, na Europa, para médicos não-europeus
nem para profissionais menos badalados, especialmente os que não têm
diploma universitário.
Aí, entra o Brasil. Hoje, brasileiro
em Portugal é sinônimo de garçom e
peão da construção civil, para não
mencionar prostitutas (ou jogadores
de futebol, únicos profissionais brasileiros que o mundo reconhece como
de excelência).
Uma pesquisa de 2003 da Casa do
Brasil de Lisboa confirma cientificamente a impressão empírica: 42,6%
dos migrantes trabalham no comércio (basicamente restaurantes) e 32%
são operários, majoritariamente da
construção civil.
A inversão do fluxo migratório entre Brasil e Portugal conta muito da
história de desesperança dos dois lados do Atlântico. Ao integrar-se à Europa, Portugal recuperou o futuro,
por muito que haja hoje desânimo
pela estagnação econômica dos últimos cinco anos.
O Brasil (ou os brasileiros) se integra à Europa (ou a Portugal) no porão do emprego que o português não
quer mais. Até quando?
@ - crossi@uol.com.br
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