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Tinhorão e o quinteto
ARIANO SUASSUNA
Quando, na década de 70, fundei o
Quinteto Armorial, meu objetivo
maior era dar a compositores e intérpretes como Antônio Madureira e Antônio Nóbrega a oportunidade de
criarem uma música brasileira que
nada tivesse a ver com a música americana massificada que naquela época
já começara a nos corromper e descaracterizar. Eu via, mesmo nos Estados
Unidos, os jovens brancos americanos
tirarem toda a força, toda a garra, à
música negra, como acontecera no caso do jazz.
Entenda-se: pessoalmente, gosto
muito do piano jazzístico de um Jelly
Roll Morton. Mas, nascido num país
de raízes musicais tão poderosas como o Brasil, não via nem vejo necessidade de nossos compositores imitarem nem mesmo a verdadeira música
negra americana, a única que presta
lá.
Mas a imitação seria ainda pior no
caso do rock, música na qual os jovens
americanos brancos, liderados por
um imbecil como Elvis Presley, falsificavam uma raiz popular negra, enfraquecendo sua força original e achatando-a de acordo com o gosto médio
e o mau gosto dos meios de comunicação de massa.
Em contraste com esse mau gosto
dominante é que se exerce a crítica de
José Ramos Tinhorão, o que ficou demonstrado em seu recente artigo na
revista "Veja" e, na década de 70, noutra matéria que ele publicou quando
da aparição do primeiro disco do
Quinteto Armorial. Lembro que, na
época, nem Antônio Madureira nem
Antônio Nóbrega eram os artistas respeitados e admirados que são hoje.
Eram rapazes de 20 anos; e José Ramos Tinhorão teve sensibilidade para
descobrir e coragem para afirmar a
importância deles para o presente e o
futuro da música brasileira.
Tinhorão publicou seu artigo em 10
de dezembro de 1974. Começa-o perguntando: "Quantas vezes, na história
de qualquer país do mundo, se conseguiu fundir em uma dúzia de peças
musicais o regional no universal e o
popular no erudito? A julgar pela trajetória da cultura ocidental (...) esses
momentos (...) não foram muitos. Por
isso mesmo, o aparecimento de um
desses raros exemplos no Brasil (...) só
pode ser saudado como milagre. O
milagre, no caso, é representado pelas
músicas do LP Quinteto Armorial
-Do Romance do Galope Nordestino (...). Ao som da viola sertaneja do
compositor Antônio Madureira, da
rabeca de Antônio Nóbrega, do violão
de Edilson Eulálio, do pífano e flauta
de Egildo Vieira e do marimbau de
Fernando Torres, composições como
"Revoada" e "Ponteio Acutilado" transportam numa ponte de quatro séculos
a Renascença para o Nordeste, para
repetir a experiência fantástica da fusão da plangente monodia do marimbau dos cegos com a polifonia do violão, esse descendente do alaúde, enquanto a viola soa cortante e metálica
como um clavicórdio". E conclui: "A
revelação musical do Quinteto Armorial vem mostrar que, das profundezas
da criação popular, também se pode
tirar uma cultura autenticamente nacional. Quem ouvir dirá se não estamos com a razão. Mas, pelo amor de
Deus, não deixem de ouvir".
Por tudo isso, mando, daqui, meu
abraço a José Ramos Tinhorão para
dizer-lhe que, enquanto soarem no
Brasil vozes como a sua, nosso povo
pode ter esperança.
Ariano Suassuna escreve às terças-feiras nesta coluna.
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