São Paulo, domingo, 22 de fevereiro de 2004

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CARLOS HEITOR CONY

O marinheiro do rio Arruda

RIO DE JANEIRO - Um clichê que continua em atividade garante que o primeiro amor não se esquece. Tampouco a primeira vez que se pratica o sexo. Menos importante do que o amor e o sexo, Carnaval a gente costuma esquecer ou, pior, misturar um no outro, dando tudo na mesma dentro da caverna onde guardamos a memória.
Para o meu bem ou para o meu mal, não esqueci o primeiro Carnaval. A festa não deixa de ser um processo. Em criança nos botam uma fantasia qualquer, pintam nossas bochechas e, se somos fotografados pelas revistas, merecemos a legenda: "O jovem folião".
Não é esse o Carnaval que conta. Quando nos descobrimos adultos, já passamos por muitos carnavais, nunca há o primeiro.
Contudo, desprezando os carnavais da infância mais profunda, tive o meu primeiro Carnaval quando, aos 20 anos, saído do seminário onde estudava para padre, encarei outro clichê que a imprensa daquele tempo divulgava, o "tríduo momesco".
Não era mais criança e aprendera a desdenhar o diabo, o mundo e a carne. Uma prima, penalizada pela minha forçada inocência, fez questão de levar-me a um baile, um baile comportado. Mais tarde frequentaria bailes incrementados e até mesmo atentatórios à moral e aos bons costumes, um deles chamado "baile do cabide", em que se pendurava a roupa ou a fantasia num cabide e se dançava como o Diabo e a carne queriam -a mesma carne e o mesmíssimo Diabo que eu jurara renunciar para sempre.
Desajeitado, numa detestável fantasia de marinheiro do rio Arruda (o baile era em Belo Horizonte), a prima apresentou-me vagamente a algumas amigas e sumiu com um cara fantasiado de centurião romano ou coisa equivalente.
Sozinho, entregue às feras, fiquei pelos cantos, até que uma havaiana de coxas monumentais me tirou para dançar. Perguntou se era a primeira vez. Até hoje não sei como ela adivinhou.


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