São Paulo, sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

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JOSÉ SARNEY

Cuba sem Fidel

FIDEL CASTRO, depois de 50 anos no comando de Cuba, anuncia que seu corpo não mais suporta a sua vontade, que seria de ficar no poder até "o desenlace adverso" de que ele fala em sua carta de renúncia. Invocou o nosso glorificado Oscar Niemeyer para dizer que devemos perseverar até o fim.
Sua longa permanência no cargo se deve, em grande parte, aos acordos feitos por Kruschev com Kennedy. A então União Soviética, para retirar os foguetes com ogivas atômicas de Cuba, exigiu dos Estados Unidos a retirada de armas nucleares da Turquia e o compromisso de não invadir Cuba, o que era o maior objetivo e vontade do Tio Sam.
Com essa garantia, Fidel pôde tomar todas as atitudes de hostilidade que tomou contra os Estados Unidos, tentar exportar a revolução para o continente e também para a África, onde fez desembarcar tropas cubanas para ajudar o MPLA, movimento de independência de Angola.
A América Latina pagou um alto preço no contexto da Guerra Fria.
Montaram-se, para enfrentar e resistir ao avanço do comunismo, regimes militares que acabaram com instituições democráticas e levaram muitos países, inclusive o Brasil, a um período longo de autoritarismo. Também no rastilho dessa convulsão ideológica surgiram as guerrilhas que resultaram, no Peru, no Sendero Luminoso, no Uruguai, nos Tupamaros, na Argentina, nos Montoneros, na Colômbia, nas Farc etc., com ramificações que em cada país tiveram uma conotação diferente, mas sempre um chamamento aos ideais da Revolução Cubana, cujo marco romântico foi o martírio de Che Guevara na Bolívia.
Na América Central, com a crise da Nicarágua, chegou-se também à beira de uma invasão americana, que não ocorreu devido à ação diplomática do Grupo de Contadora e à participação neutralizante dos presidentes da época, entre os quais Alfonsín e eu.
Fidel sobreviveu até ao desmoronamento do Muro de Berlim e ao fim do comunismo. Permaneceu como o último baluarte ideológico da Guerra Fria.
Ele entrou como um mito igual a Bolívar na história das Américas.
Usou mão-de-ferro para sobreviver. Conseguiu acuar os Estados Unidos, limitando as suas ações imperiais.
Sua renúncia vira uma página da história. É o fim de um ciclo, ao qual ele teve a capacidade de chegar influindo em sua própria transição. O que vem pela frente ninguém sabe. O que se sabe é que seu nome, para amigos e inimigos, é tão forte que nem a morte apagará.


jose-sarney@uol.com.br

JOSÉ SARNEY
escreve às sextas-feiras nesta coluna.


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