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JOSÉ SARNEY
Cuba sem Fidel
FIDEL CASTRO, depois de 50
anos no comando de Cuba,
anuncia que seu corpo não
mais suporta a sua vontade, que seria de ficar no poder até "o desenlace adverso" de que ele fala em sua
carta de renúncia. Invocou o nosso
glorificado Oscar Niemeyer para
dizer que devemos perseverar até
o fim.
Sua longa permanência no cargo
se deve, em grande parte, aos acordos feitos por Kruschev com Kennedy. A então União Soviética, para
retirar os foguetes com ogivas atômicas de Cuba, exigiu dos Estados
Unidos a retirada de armas nucleares da Turquia e o compromisso de
não invadir Cuba, o que era o maior
objetivo e vontade do Tio Sam.
Com essa garantia, Fidel pôde tomar todas as atitudes de hostilidade que tomou contra os Estados
Unidos, tentar exportar a revolução para o continente e também
para a África, onde fez desembarcar tropas cubanas para ajudar o
MPLA, movimento de independência de Angola.
A América Latina pagou um alto
preço no contexto da Guerra Fria.
Montaram-se, para enfrentar e resistir ao avanço do comunismo, regimes militares que acabaram com
instituições democráticas e levaram muitos países, inclusive o Brasil, a um período longo de autoritarismo. Também no rastilho dessa
convulsão ideológica surgiram as
guerrilhas que resultaram, no Peru, no Sendero Luminoso, no Uruguai, nos Tupamaros, na Argentina, nos Montoneros, na Colômbia,
nas Farc etc., com ramificações
que em cada país tiveram uma conotação diferente, mas sempre um
chamamento aos ideais da Revolução Cubana, cujo marco romântico
foi o martírio de Che Guevara na
Bolívia.
Na América Central, com a crise
da Nicarágua, chegou-se também à
beira de uma invasão americana,
que não ocorreu devido à ação diplomática do Grupo de Contadora
e à participação neutralizante dos
presidentes da época, entre os
quais Alfonsín e eu.
Fidel sobreviveu até ao desmoronamento do Muro de Berlim e ao
fim do comunismo. Permaneceu
como o último baluarte ideológico
da Guerra Fria.
Ele entrou como um mito igual a
Bolívar na história das Américas.
Usou mão-de-ferro para sobreviver. Conseguiu acuar os Estados
Unidos, limitando as suas ações
imperiais.
Sua renúncia vira uma página da
história. É o fim de um ciclo, ao
qual ele teve a capacidade de chegar influindo em sua própria transição. O que vem pela frente ninguém sabe. O que se sabe é que seu
nome, para amigos e inimigos, é tão
forte que nem a morte apagará.
jose-sarney@uol.com.br
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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