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RUY CASTRO
Morando com mamãe
RIO DE JANEIRO - Custei a perceber que era uma tendência: a
quantidade de rapazes de 30 anos
ou mais, hoje em dia, ainda vivendo
com os pais e sendo sustentados
por eles -abdicando da liberdade
pelos confortos e conveniências da
cama, comida e roupa lavada. Foi
para isso que os jovens dos anos 60
fizeram duas ou três revoluções?
Nenhum garoto de 1968 trocaria
a canja de galinha do Beco da Fome,
em Copacabana, às 4h, pelo toddy
com biscoitos servido pela mãe às
21h, depois de "O Sheik de Agadir".
Ou a aventura de morar num apê tipo já-vi-tudo em Botafogo -o mobiliário consistindo de uma estante
de tijolos com uma ripa de madeira
por cima (roubados de alguma
construção vizinha) e de uma esteira de praia à guisa de cama- pelo
quarto acolhedor e quentinho que
ocupava desde guri no vasto apartamento dos pais.
Quem chegasse à provecta idade
de 20 anos e não tivesse endereço
próprio era tido como anormal -a
norma era entrar para a faculdade
aos 18 ou 19, arranjar um emprego e
ir à vida, como até as meninas estavam fazendo. As vantagens de morar sozinho eram poder ir ao banheiro com a porta aberta, namorar
a qualquer dia e hora e promover
reuniões para derrubar a ditadura
ou para escutar o disco novo da Nara, o que viesse primeiro.
Hoje, há marmanjos de até 40
anos morando com a mãe, na Europa, nos EUA e no Brasil. Na Itália
são chamados de "mammoni" (filhinhos da mamãe); na Espanha, de
"ni-ni" ("ni estudian, ni trabajan");
na Inglaterra, de "kidults" ("kids",
crianças, com adultos). Eles se defendem: formaram-se, gostariam
de trabalhar, mas o mercado é
cruel, não consegue assimilá-los,
são desempregados crônicos e não
têm como pagar aluguel, comprar
um imóvel nem pensar.
E, além disso, ninguém cozinha
como a mamãe.
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