São Paulo, terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Democracia, legitimidade e BNDES

FÁBIO KERCHE


Exigir que um banco seja fiscal ambiental é não compreender o seu papel. Equivaleria a cobrar do Ibama financiamentos

Prioridades de governo são legitimadas pela escolha dos eleitores.
Convocados a se manifestar, podem renovar essas escolhas ou substituí-las. No artigo "Sociedade, subsídio e BNDES" ("Tendências/ Debates", 31/1), Roberto Smeraldi parece não concordar com esse princípio da representação democrática, além de desconhecer o processo de concessão de crédito do BNDES.
O autor afirma que "a sociedade diz ao banco o que não fazer", mas se engana ao supor que a vontade da sociedade estaria em sintonia com a sua.
Os cidadãos, principalmente por meio das eleições, sinalizaram o que pretendem: desenvolvimento com responsabilidade socioambiental. E o BNDES, um dos órgãos de execução da política governamental, não pode perder isso de vista. Nenhum projeto é apoiado sem licenças ambientais e sem observar a legislação trabalhista. Se um órgão fiscalizador do Estado apontar irregularidade no decorrer dos desembolsos, o BNDES possui instrumentos para suspender repasses e, no limite, exigir o pagamento antecipado do que foi emprestado.
Esse trabalho é desenvolvido em parceria com órgãos estatais. Exigir que um banco seja fiscal ambiental, por exemplo, é não compreender o seu papel. Equivaleria a cobrar do Ibama que faça financiamentos. Há uma "divisão de trabalho" do Estado, feita para que os órgãos se controlem e se complementem.
Em relação à transparência, os critérios de escolha dos projetos são dados pela política de governo, e, quanto mais baixa a taxa de juros, mais prioritário é o tema. As menores taxas são para inovação, energia renovável, transporte ferroviário e urbano, saneamento, projetos em educação, saúde, meio ambiente e pequenas empresas.
Isso é público, transparente e anunciado com antecedência. A PDP é uma espécie de síntese das prioridades no campo da indústria; na infraestrutura, o PAC garante um norte.
Prioridade, contudo, não significa falta de rigor. O cuidado com os recursos públicos, com os financiamentos decididos por instâncias colegiadas, é refletido na inadimplência do banco, de 0,2%, mais baixa do que a do sistema bancário.
Nesse sentido, a afirmação de que "lobistas internos ou externos mostram o que fazer" carece de fundamento. Seria necessário influenciar toda uma burocracia qualificada e comprometida, já que nenhuma decisão é monocrática, além de não observar prioridades anunciadas. O BNDES também se submete aos órgãos reguladores e todas as suas operações estão no site do banco, em atitude inédita e apoiada por movimentos sociais.
A decisão do Tesouro de emprestar recursos ao banco por conta da crise se mostrou acertada. O presidente Lula garantiu que os investimentos não parariam e o BNDES foi importante para que esse compromisso fosse mantido. Cálculos apontam que o impacto fiscal desses empréstimos é positivo em pelo menos R$ 79 bilhões.
Além disso, uma parte das operações do BNDES, inclusive para o setor de proteína animal, é feita com instrumentos de mercado (debêntures e ações), gerando lucros que são revertidos para os financiamentos em infraestrutura, indústria e pequenas empresas. A sociedade reconheceu esse esforço dando apoio ao governo, ao ex-presidente e à candidata de continuidade.
Pode-se discordar das prioridades perseguidas pelo BNDES e pelo governo. Pode-se criticar a política de apoio a alguns setores. O que não se pode negar é que isso é feito de forma legítima, democrática e em acordo tácito com a sociedade.

FÁBIO KERCHE, 39, doutor em ciência política e pesquisador da Fundação Casa de Rui Barbosa, é assessor da Presidência do BNDES. Foi secretário-adjunto e secretário de Imprensa da Presidência da República (2003-2005). Publicou "Virtude e Limites: Autonomia e Atribuições do Ministério Público no Brasil" (Edusp, 2009).

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br


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