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TENDÊNCIAS/DEBATES
Coisas que não ficam bem
FREDERICO VASCONCELOS
Servidor público, pago pelo contribuinte, magistrado ou advogado-geral da União, deve prestar informações de suas atividades à sociedade
O "HOMEM da rua", lembrado
pelo advogado Sergio Bermudes em artigo a título de defender o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal ("Tendências/Debates, 15/3), não deve entender por que um juiz viola os lacres das
placas de seus automóveis particulares e os de seus familiares, substitui
por placas privativas da polícia ("coisa de bandido", no dizer de um magistrado) e continua vestindo a toga. Não
deve atinar por que o STF considera
essa malfeitoria "uma mera irregularidade administrativa".
O "homem da rua" não deve compreender um ministro que ofende
procuradores e outros magistrados:
aqueles, por oferecerem "denúncias
ineptas"; estes, por "covardia institucional" ao recebê-las.
O "homem da rua" não deve imaginar que um ministro em constante
atrito com procuradores seja favorável à permanência no cargo de um
subprocurador geral envolvido com
uma quadrilha, flagrado ensinando
um ex-policial a forjar provas.
Já advogados, procuradores e juízes ouvidos por este repórter tinham
interesse em saber por que Gilmar
Mendes foi relator de um segundo recurso no mesmo habeas corpus em
que havia sido relator e voto vencido.
Esses são fatos de interesse público, merecedores de tratamento pela
imprensa. Nada além disso.
Ao contrário do que afirmou o advogado Arnaldo Malheiros Filho, em
carta ao jornal, Gilmar Mendes -um
defensor da censura prévia à imprensa- não é, nem de longe, alguém "que
não pode envolver-se em polêmicas".
Ele sempre esteve envolvido em polêmicas. Em 2000, Sergio Bermudes foi
acusado por Gilmar de "prática de
chicanas". O advogado revidou, chamando-o de "insolente" e "grosseiro".
Ótimo que se tenham reconciliado,
provando que nem sempre alguma
coisa fica depois da maledicência.
Recentemente, o ex-procurador
geral da República Claudio Fonteles
criticou Gilmar por haver "tisnado" a
honra funcional de procuradores sem
oferecer um dado consistente sequer.
A sociedade tem o direito de ser informada sobre o acirramento dos ânimos entre procuradores e Gilmar
Mendes com a discussão sobre a lei de
improbidade administrativa. Como a
Folha noticiou, "a origem dessa indisposição é atribuída ao fato de Gilmar ter sido alvo de ações de improbidade, numa das quais é acusado de
enriquecimento ilícito".
A reportagem não discutiu o mérito
da acusação nem o perfil do procurador que questionou 451 contratos firmados, sem licitação, entre a Advocacia Geral da União, quando Gilmar
era o titular do órgão, e o Instituto
Brasiliense de Direito Público, do
qual é citado como sócio cotista, permitindo que subordinados da AGU
freqüentassem cursos naquela empresa privada à custa do erário.
Servidor público, pago pelo contribuinte, advogado-geral da União ou
magistrado, deve prestar informações de suas atividades à sociedade.
Noticiar fatos para os quais não se
obtiveram explicações não é caluniar,
como sugeriram os dois advogados.
Ao contrário do afirmado por Bermudes, não há "acusação gravíssima" ao
STF em listar decisões que contrariaram o Ministério Público Federal.
São fatos de interesse público.
Este repórter conversou longamente, por telefone, com Gilmar
Mendes. Ouviu o magistrado com
respeito e foi tratado com urbanidade. Respeitou o silêncio solicitado,
não publicou os comentários nem as
acusações que ouviu, algumas ofensivas à honra de procuradores.
No dia seguinte, o jornalista Márcio
Chaer, misto de "ghost-writer" e assessor de juízes, além de editor de um
site jurídico, procurou este repórter e
tentou obter um relato da conversa.
Não conseguiu. Esses procedimentos
talvez eliminem as dúvidas do advogado Malheiros sobre os cuidados para se obter o "outro lado".
Na nota em que o STF defendeu
Gilmar Mendes, afirma-se que os ministros do Supremo "não se encontram acima de críticas". Muito menos
os jornalistas. A imprensa erra muito,
não gosta de admitir isso, mas os tribunais também falham. Curiosamente, foi este repórter quem alertou o
gabinete de Gilmar Mendes para o fato de que um habeas corpus havia sido remetido à "seção de baixa de processos" antes de ser julgado. A falha
poderia procrastinar, ainda mais, um
caso que se arrasta desde 1999.
A nota do STF afirma ainda que os
inconformismos "hão de ser manifestados no âmbito dos procedimentos
formais". A recomendação vale para
jornalistas, advogados, procuradores
e, principalmente, para aquele ministro da mais alta Corte. Como sustenta
Sergio Bermudes, no artigo citado,
"pela natureza de seu cargo, o magistrado não pode entregar-se a polêmicas e bate-bocas".
FREDERICO VASCONCELOS, 62, jornalista, é repórter
especial da Folha. É autor do livro "Juízes no Banco dos
Réus" (Publifolha).
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