São Paulo, segunda-feira, 22 de março de 2010

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TENDÊNCIAS/DEBATES


Royalties: o oportunismo não pode ir tão longe

REGIS FICHTNER


Se permitirmos que isso aconteça, estaremos criando um precedente perigoso e dando início ao fim da Federação brasileira


O ARTIGO 20, parágrafo 1º, da Constituição Federal assegura aos Estados e aos municípios compensação financeira pela exploração de petróleo em seu território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva.
A emenda Ibsen Pinheiro ao projeto de lei que disciplina o novo marco regulatório do petróleo viola diretamente essa regra, pois dispõe que os royalties do petróleo, que são exatamente essa compensação referida na Constituição Federal, devem ser distribuídos entre todos os Estados e municípios da Federação, segundo os critérios do Fundo de Participação dos Estados e do Fundo de Participação dos Municípios.
Rio de Janeiro, São Paulo, Espírito Santo e outros Estados de onde será extraído o petróleo do pré-sal seriam enormemente prejudicados com a aplicação dessa regra, tendo em vista que já não receberão o ICMS correspondente: a Constituição determina que o imposto seja pago no Estado de destino desse produto, ao contrário da regra que prevalece para todos os outros produtos, cujo imposto é pago no Estado em que são produzidos.
A proposta aprovada na Câmara dos Deputados leva a resultados absurdos do ponto de vista econômico, já que os três Estados que serão os maiores produtores de petróleo do Brasil e deveriam receber compensações financeiras pela exploração em seu território ou plataforma continental, a saber, Rio de Janeiro (receberia 1,52% do total), Espírito Santo (1,5%) e São Paulo (1%), ocupariam respectivamente o 22º, 23º e 26º lugares na divisão desses recursos pelos critérios do FPE.
A emenda Ibsen, no caso do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, contém ainda pelo menos uma outra grave inconstitucionalidade. Ela determina que, mesmo para os campos de petróleo já licitados e já em produção, sobre os quais incidem as regras atuais de distribuição de royalties, passe imediatamente a incidir a nova lei, retirando, portanto, desses Estados abruptamente toda a receita que hoje recebem dessa indústria.
Não poderíamos ter exemplo melhor de violação do princípio constitucional da inviolabilidade do direito adquirido e do ato jurídico perfeito.
O Estado do Rio de Janeiro passaria a receber de royalties, pelo critério do FPE, apenas cerca de R$ 75 milhões por ano, o que significaria uma perda instantânea de cerca de R$ 5 bilhões de receita. Os municípios do Rio passariam a receber menos do que R$ 50 milhões por ano, o que resultaria em uma perda de cerca de R$ 2 bilhões.
O Estado do Rio utiliza a receita dos royalties para o custeio da sua folha de aposentados e pensionistas e para investimentos em meio ambiente. A perda dos royalties iria resultar no fim de todos os programas ambientais e na necessidade de transferir do Tesouro do Estado para o Fundo de Previdência cerca de R$ 4 bilhões de reais em 2011. Esse valor é maior do que todo o orçamento da educação no Estado.
Nenhum Estado do mundo seria capaz de sobreviver à perda repentina de tamanha quantidade de recursos.
Somente o oportunismo político de alguns poucos deputados e a ausência de reflexão de muitos pode ter levado a Câmara a uma decisão pela qual é levado à falência um dos Estados mais importantes do país, maior receptor de turistas brasileiros e estrangeiros e sede da Olimpíada de 2016.
O valor dos royalties, que, para o Rio, significa a própria sobrevivência, quando dividido por todos os Estados e municípios, fica de tal forma diluído que não representa incremento de arrecadação capaz de alterar a realidade de qualquer Estado.
O direito -garantido pela Constituição Federal- do Estado e do município de obter compensação pela atividade econômica que é exercida em seu território e em relação à qual já não recebem nenhum tributo não pode ser suprimido pela maioria dos outros Estados.
Se permitirmos que isso aconteça, estaremos criando um precedente perigoso e dando início ao fim da Federação brasileira, já que a riqueza de qualquer Estado ou município estará sempre ameaçada pela cobiça dos demais. O princípio de que a maioria pode tudo é a negação do Estado democrático de Direito.


REGIS FICHTNER é secretário-chefe da Casa Civil do Estado do Rio de Janeiro.

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