São Paulo, quarta-feira, 22 de maio de 2002

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VOTO ANACRÔNICO

Nos últimos dias, dois pré-candidatos à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva e José Serra, e o presidente do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio de Mello, declararam-se contrários ao voto compulsório. Com efeito, a obrigação legal de comparecer às urnas é um anacronismo. Entre os países desenvolvidos, adotam-na só Austrália, Bélgica e Luxemburgo.
É possível defender a tese de que o voto compulsório teve um papel histórico na consolidação da democracia. Isso de fato ocorreu. Mas insistir na manutenção indefinida do instituto torna-se empobrecedor. O voto é um importante elemento das instituições democráticas, mas não o único. Quando a ênfase jurídico-institucional recai sobre o instante do voto, outras formas de representação e o exercício da cidadania passam para um segundo plano. É como se o Estado induzisse à crença de que a democracia se resume a depositar na urna um voto a cada quatro anos.
Outro forte argumento contra a obrigatoriedade do voto é de ordem filosófica. Se o voto é um direito, é preciso que exista a liberdade de não votar. A ninguém ocorreria tornar compulsório um outro direito fundamental, por exemplo a liberdade de expressão. Assim como o direito à manifestação do pensamento permite que o cidadão não faça uso da palavra se assim preferir, também o direito de voto deve facultar ao eleitor a possibilidade de não exercê-lo.
Em termos políticos, é possível que o fim da obrigatoriedade melhore a qualidade dos representantes, pois os eleitores menos interessados no processo político seriam em tese os primeiros a afastar-se das urnas.
Talvez esteja aí a explicação para que o Brasil ainda não tenha acabado com o voto obrigatório. Em princípio, ele favorece os partidos do establishment, os que mais ganham com a existência de uma massa de eleitores que vai à urna apenas para evitar complicações burocráticas. Mas a democracia precisa representar mais que o medo de ser multado.


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