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VOTO ANACRÔNICO
Nos últimos dias, dois pré-candidatos à Presidência da
República, Luiz Inácio Lula da Silva e
José Serra, e o presidente do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio
de Mello, declararam-se contrários
ao voto compulsório. Com efeito, a
obrigação legal de comparecer às urnas é um anacronismo. Entre os países desenvolvidos, adotam-na só
Austrália, Bélgica e Luxemburgo.
É possível defender a tese de que o
voto compulsório teve um papel histórico na consolidação da democracia. Isso de fato ocorreu. Mas insistir
na manutenção indefinida do instituto torna-se empobrecedor. O voto
é um importante elemento das instituições democráticas, mas não o único. Quando a ênfase jurídico-institucional recai sobre o instante do voto,
outras formas de representação e o
exercício da cidadania passam para
um segundo plano. É como se o Estado induzisse à crença de que a democracia se resume a depositar na
urna um voto a cada quatro anos.
Outro forte argumento contra a
obrigatoriedade do voto é de ordem
filosófica. Se o voto é um direito, é
preciso que exista a liberdade de não
votar. A ninguém ocorreria tornar
compulsório um outro direito fundamental, por exemplo a liberdade
de expressão. Assim como o direito à
manifestação do pensamento permite que o cidadão não faça uso da palavra se assim preferir, também o direito de voto deve facultar ao eleitor a
possibilidade de não exercê-lo.
Em termos políticos, é possível que
o fim da obrigatoriedade melhore a
qualidade dos representantes, pois
os eleitores menos interessados no
processo político seriam em tese os
primeiros a afastar-se das urnas.
Talvez esteja aí a explicação para
que o Brasil ainda não tenha acabado
com o voto obrigatório. Em princípio, ele favorece os partidos do establishment, os que mais ganham
com a existência de uma massa de
eleitores que vai à urna apenas para
evitar complicações burocráticas.
Mas a democracia precisa representar mais que o medo de ser multado.
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