São Paulo, segunda-feira, 22 de maio de 2006

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JOÃO SAYAD

Major Sertório com Vila Nova

NO SENTIDO leste-oeste, as ruas de Washington têm nomes de letras. No sentido norte-sul, são numeradas. O Banco Mundial está na 19 com a M. As ruas formam um quadriculado cortado diagonalmente por avenidas com nomes dos Estados: a Casa Branca está na av. Pensilvania. Mas o desenho cartesiano das ruas é perturbado por vias expressas que obedecem à lógica do excesso de carros irracional e poluente.
Localizar-se em Washington, com a expectativa de racionalidade dos nomes das ruas, acaba-se tornando difícil. Algumas ruas se contorcem diante de praças e rotatórias apenas para manter a regra geral. A avenida Pensilvânia faz uma pirueta para continuar com o mesmo nome num outro lugar.
Mais fácil se localizar na Paris romântica, que pensou mais na beleza do que na razão. Ou no Rio, marcado pela natureza, com mar e montanha. Porque não há expectativa de racionalidade no desenho das ruas dessas cidades.
Washington reflete o espírito liberal americano, que pretende difundir a "racionalidade" no mundo inteiro. A razão transformará o mundo num Estados Unidos imenso e racional. Teremos todos a mesma ética. O Oriente Médio adotará o regime democrático. E a América Latina adotará práticas de mercado. Como se todos nós, americanos, brasileiros e palestinos fôssemos seres que, se iluminados pela razão, faríamos as mesmas escolhas. Ganhar a Copa do Mundo? Morrer pelo paraíso de leite e mel prometido pelo Islã? Ou apenas ganhar dinheiro?
O espírito liberal americano é o discurso do mundo inteiro. Na semana passada, o governo de São Paulo foi criticado por ter negociado com os bandidos do PCC. Qual o critério ético para escolher entre justiça e paz? Justiça a qualquer preço, como querem os terroristas? Ou paz a qualquer preço, como decidiu Chamberlain ao entregar a Tchecoslováquia ao nazismo?
Punição e vingança? A punição é apenas um mal necessário para evitar a privatização da vingança. Não diminui a criminalidade.
A decisão foi negociar-paz agora, justiça depois. Está certo do ponto de vista ético? E se houve negociação, deveríamos mentir? Qual a escolha ética -mentir ou comprometer a imagem de implacabilidade da Justiça?
Vinte anos atrás, a criminalidade não era problema grave. Há 20 anos o Brasil cresce devagar. A trégua com os bandidos é tão irracional ou racional quanto a política de combater a inflação agora para crescer depois.
Foi a única alternativa para podermos sair de casa para um cafezinho na esquina da Major Sertório com a doutor Vila Nova e para uma conversinha sem sentido.


João Sayad escreve às segundas-feiras nesta coluna.
jsayad@attglobal.net


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