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TENDÊNCIAS/DEBATES
Devassar local do crime ajuda criminosos
ROMEU TUMA
Falhas de interdição permitem dissimular vestígios incriminadores, mesmo após o início
das investigações
O CASO da menina Isabella, lançada de uma janela do sexto
andar de um condomínio paulistano, evidencia quanto é importante preservar os locais de crime para
impedir o favorecimento de criminosos. Da mesma forma que vários delitos de grande repercussão no passado, a exemplo do acontecido há 20
anos na rua Cuba, também em São
Paulo, demonstrou como falhas de interdição permitem dissimular vestígios incriminadores, mesmo após o
início das investigações.
Falhas desse tipo sempre podem
facilitar a defesa e dificultar a acusação em qualquer sistema jurídico-penal alicerçado no princípio "in dubio
pro reo". Na maioria dos julgamentos
por homicídio, os jurados e o magistrado confiam mais nas provas materiais do que nas testemunhais. Mesmo porque, em direito, costuma-se
dizer que o testemunho é a "prostituta das provas".
Já me vali desses e de outros exemplos na tribuna do Senado para apelar
aos delegados de Polícia quanto à necessidade de se preocuparem com o
problema e exigirem dos agentes fiel
cumprimento do Código de Processo
Penal. Mesmo porque, queiram ou
não, a lei é bem clara quanto às suas
próprias responsabilidades.
Os criminologistas são unânimes
em destacar a importância de entregar locais intactos aos peritos. Seria
faccioso atribuir maior ou menor relevância ao que dizem autores do porte de Magalhães Noronha, Fernando
Capez, Hélio Tornaghi, Fernando da
Costa Tourinho Filho, Walter Acosta,
além de docentes de todas as academias de polícia brasileiras. Nem a eles
precisamos recorrer, tamanha é a objetividade do texto legal dedicado ao
assunto. Desde a lei nº 8.862/94, descreve todos os procedimentos e as
responsabilidades.
O código determina que o delegado
de Polícia, tão logo tenha conhecimento do delito, compareça ao local e
tome providências "para que não se
alterem o estado e a conservação das
coisas, até a chegada dos peritos criminais". Essa autoridade deverá ainda "apreender os objetos que tiverem
relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais". Portanto, a
norma processual é límpida e indubitável. Dispensa lucubrações. Todavia,
o que vem acontecendo há décadas?
Os peritos do Instituto de Criminalística (IC) trabalham geralmente em
locais prejudicados. Modernos recursos técnicos permitem recuperar boa
parte dos vestígios latentes. Todavia,
mesmo assim, sabe-se lá quantas provas os autores ou cúmplices conseguem destruir ou remover de locais
devassados.
No dizer do ouvidor-geral de Polícia, trata-se de queixa comum em crimes de autoria desconhecida, como
chacinas e execuções. Aliás, há algum
tempo, a Folha teve o cuidado de
acompanhar dez casos do gênero para documentar as condições de peritagem "in loco". Verificou que, em todos eles, "as preservações dos locais
foram extremamente alteradas".
Em 2004, a banca examinadora para titulação de mestre em odontologia legal pela Unicamp descobriu um
paradoxo referente à Polícia Militar
paulista. A maioria dos 856 sargentos
e soldados recém-formados, destinatários de um questionário acadêmico,
demonstrou a aptidão necessária ao
isolamento das cenas de crime. Então, por que tanta queixa quanto a alterações de locais? Essa é a pergunta
que não quer calar.
Há pouco, um experiente perito do
IC pregou, como única solução, castigo exemplar para policiais que prejudiquem locais. Foi enfático ao lembrar o seqüestro do publicitário Washington Olivetto: se dependesse de
indícios coletados no cativeiro, os seqüestradores estariam impunes, porque, "quando a perícia chegou, não
havia mais nada, policiais e jornalistas haviam destruído tudo".
Tenho total confiança na capacidade dos peritos do IC e do IML. Razões
me sobram, desde que os requisitei
para perícias difíceis, nos tempos
desprovidos dos atuais recursos técnico-científicos, como aconteceu na
descoberta dos despojos do criminoso nazista Josef Mengele. O exame de
DNA, feito na Inglaterra anos depois,
serviu apenas para confirmar as nossas conclusões.
Mas, como eu, todo perito conhece
muito bem os riscos de enfrentar
condições adversas em local prejudicado. Sabe que isso não faz sentido,
exceto para os criminosos.
ROMEU TUMA, 76, senador da República (PTB-SP), é corregedor do Senado Federal e delegado aposentado da Polícia de São Paulo. Foi diretor-geral da Polícia Federal
(1985-92) e secretário da Receita Federal (1992).
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