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TENDÊNCIAS/DEBATES
Foi positivo o acordo sobre o programa nuclear iraniano alcançado por Brasil e Turquia?
NÃO
Acordo, a qualquer preço, é anacrônico
SAMUEL FELDBERG
"ESTAMOS convencidos de
que o método de consultas
deve ser o adotado para resolver questões entre nossos países, e
estamos determinados a continuar
nossos esforços para remover possíveis diferenças e, assim, contribuir
para garantir a paz. Meus amigos, trago a paz com honra. Acredito que seja
a "paz para nossa era". Podem ir para
casa, para noite de sono repousante."
Palavras do presidente Lula ao assinar o acordo em Teerã?
Não, por mais semelhante que seja
o discurso, as palavras acima foram
proferidas, com o mesmo estardalhaço, por Neville Chamberlain, ao retornar da vergonhosa rendição diante de
Hitler, entregando aos alemães uma
indefesa Checoslováquia e dando o
último passo para a eclosão da Segunda Guerra Mundial.
Mantidas as devidas proporções,
ambos os líderes acreditaram na supremacia da negociação diplomática,
até que os eventos negaram a sua viabilidade.
Mas o presidente Lula e seus colaboradores no Itamaraty preferem
acreditar também nas declarações do
Irã de que seu programa nuclear tem
fins pacíficos, apesar das repetidas
violações de acordos anteriores e do
desenvolvimento de instalações secretas, como aquelas que foram identificadas em Qom.
Preferem ignorar as repetidas declarações do presidente Ahmadinejad, que clama pela destruição de Israel enquanto desenvolve mísseis de longo alcance e armas nucleares que permitam fazê-lo, ou garantam a cobertura dos que, nas fronteiras de Israel, se engajam na mesma função.
Lula certamente se beneficiou de
sua projeção internacional, criou
uma nova área de atuação para o grupo de países conhecidos como potências médias e talvez tenha acumulado
pontos para suas candidaturas a Prêmio Nobel da Paz ou a secretário-geral das Nações Unidas.
Mas, certamente, não contribuiu
em nada para o avanço nas negociações; apesar da declaração do presidente, afirmando que "ninguém podia fazer com que o país se sentasse
para negociar. A única coisa que queríamos era convencer o Irã de que deveria assumir o compromisso com a
Agência Internacional de Energia
Atômica (AIEA) e negociar, depositar
seu urânio na Turquia. Isso foi feito".
O acordo firmado em Teerã é anacrônico, resgatando a proposta de outubro de 2009, sem levar em conta a
quantidade adicional de urânio enriquecido de posse do Irã.
Veio acompanhada de uma declaração iraniana de continuidade de seu
programa de enriquecimento de urânio, cuja interrupção era não somente o objetivo principal do acordo mas
também a exigência do Conselho de
Segurança das Nações Unidas.
E provocou, quase que de imediato,
uma aceleração no processo de implementação de novas sanções contra
o Irã. Não tem, portanto, valor algum,
a não ser dar a Lula razão ao afirmar
que o acordo foi alcançado.
O Irã tem, sim, o direito de enriquecer urânio e de desenvolver um programa nuclear para fins pacíficos.
Mas, para isso, tem que respeitar o
espírito do Tratado de Não Proliferação, do qual é signatário, e aceitar as
inspeções da AIEA.
O Brasil abandonou seu programa
nuclear militar e, certamente, quer
ver respeitados os seus direitos em
relação às grandes potências.
Talvez, nesse contexto, possamos
entender algumas das posturas brasileiras, sem que, entretanto, se justifique a candura no relacionamento
com um regime que vem massacrando seus opositores internos (como se
vários membros do governo Lula não
tivessem já sofrido da mesma forma)
e gerando enorme potencial de proliferação nuclear no Oriente Médio.
E o Brasil, que se vê como possível
intermediário nas negociações entre
Israel e os palestinos, certamente não
tem nada a ganhar ao ser visto por Israel não como um interlocutor neutro, mas como aquele que abraça a
causa de seu maior inimigo.
SAMUEL FELDBERG, cientista político, é coordenador da
área Oriente Médio do Gacint (Grupo de Acompanhamento da Conjuntura Internacional), da USP, e professor de
Relações Internacionais das Faculdades Integradas Rio
Branco.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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