São Paulo, domingo, 22 de maio de 2011

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A Igreja no Brasil e os atuais desafios

RAYMUNDO DAMASCENO ASSIS


Além dos campos da pobreza e da violência, temos igual preocupação com a fragilidade ética diante do bem comum e com as notícias de corrupção


Um olhar responsável para o presente e para o futuro do Brasil percebe, ao mesmo tempo, preocupações e esperanças. Alegra-se com um país que se empenha em se modernizar, tornar-se uma nação cada vez mais influente nos destinos do mundo, para que a amplitude territorial corresponda à importância política, social e econômica.
Estamos vivendo o primeiro semestre dos novos governos federal e dos Estados. A possibilidade, portanto, de muito se fazer em benefício do país e de seu povo é grande. As maiores preocupações encontram-se nos campos da pobreza e da violência. Dados oficiais indicam que mais de 16 milhões de brasileiros ainda vivem em situação de extrema pobreza.
A violência permanece ativa em suas variadas formas, desde aquelas mais agudas, como o massacre de crianças numa escola do Rio de Janeiro, até a violência cotidiana, por exemplo, dentro dos lares, nas relações pessoais, no comércio de drogas, nas chacinas e na facilitação em se conseguir armas.
Preocupam igualmente a fragilidade ética diante do bem comum e as constantes notícias de corrupção. Neste ano, com a Campanha da Fraternidade, a Igreja no Brasil alertou a respeito da responsabilidade ecológica de todos, com risco até de destruição do planeta.
A tudo isso soma-se o que se convencionou chamar de mudança de época. Experimentamos aguda alteração nos valores, nas atitudes e nas referências. Muito do que, até pouco tempo, servia para orientar, sustentar e reagir diante dos problemas tem perdido vigor, trazendo, a pessoas e grupos, a forte sensação de perplexidade diante de como pensar, sentir e agir.
Ao lado dessas preocupações, o mesmo olhar responsável encontra inúmeras iniciativas que fazem brotar a esperança. Percebe-se, por exemplo, o esforço por novas formas de vida comunitária, relações econômicas que não se escravizam ao lucro, revalorização da família, grupos organizados na sociedade civil investindo na reintegração humana, ações nos campos da saúde, da educação ou da alimentação.
As duas leis de iniciativa popular, tanto a nº 9.840, sobre corrupção eleitoral, quanto a da Ficha Limpa, mostraram até onde se pode chegar quando a consciência do bem comum, a responsabilidade ética e a organização se articulam.
Como se vê, há muito pelo que agradecer a Deus, mas também há muito a ser feito. A Igreja sabe que não depende somente dela realizar o futuro. Num tempo de pluralidade e parcerias, a Igreja é consciente de que sua presença haverá de ser, ao mesmo tempo, firme na própria identidade e incansável no diálogo.
Em sua identidade, a Igreja tem a máxima certeza de que lhe cabe a irrenunciável tarefa de anunciar Jesus Cristo e o reino de Deus, tirando, desse anúncio, as consequências para cada uma das situações concretas que o dia a dia vai apresentando. Ao fazê-lo, a Igreja sabe que, em decorrência do próprio Jesus Cristo, haverá de dialogar com todos os que, de coração sincero, buscam o bem comum.
As diretrizes gerais para ação evangelizadora, aprovadas na última assembleia da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), indicam alguns desses desafios e apontam, à luz do Evangelho, caminhos a serem percorridos.
Indicam uma Igreja que se firma no discipulado de Jesus Cristo, voltando-se ainda mais às fontes da fé.
Uma Igreja que se coloca, de modo inquestionável, ao lado da vida, em especial a vida fragilizada, ameaçada e desrespeitada.
Uma Igreja samaritana, irmã dos mais pobres e que se quer cada vez mais aberta ao diálogo ecumênico e inter-religioso. Uma Igreja, enfim, em que cada batizado reconhece e assume o valor testemunhal de sua própria vida.

CARDEAL DOM RAYMUNDO DAMASCENO ASSIS, arcebispo de Aparecida (São Paulo), é presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).

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