São Paulo, quinta-feira, 22 de junho de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Um país de mentira

EDUARDO RIBEIRO CAPOBIANCO e CLAUDIO WEBER ABRAMO

REARLIZA-SE HOJE o lançamento do Pacto Empresarial pela Integridade e Contra a Corrupção, liderado pelo Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social. Muitos perguntam por que a Transparência Brasil, organização que se dedica ao combate à corrupção, não aderiu à iniciativa.
Consideramos que o instrumento deve ser saudado, mas ponderamos que o melhor combate à corrupção faz-se pelo ataque às condições objetivas que a propiciam. A corrupção não acontece porque existem pessoas desonestas no mundo, mas porque o ambiente em que ocorre a interação entre os agentes públicos e privados dá oportunidades para conluios entre uns e outros.
A consideração predominante é econômica e não moral. Se as condições do ambiente institucional (Constituição, leis, regulamentos) e administrativo (aplicação da lei, controles, disponibilização de informação) apresentam oportunidades para realização desses conluios e os riscos são reduzidos, a racionalidade econômica será guiada por tais fatores. É claro que existirão exceções, empresas que recuarão de recorrer ao suborno para vencer licitações públicas, sonegar impostos, obter vantagens em regulamentos que afetem suas áreas de atuação etc.
Não se deve, contudo, considerar que a exceção faça a regra. É devido à primazia da racionalidade econômica nas decisões empresariais que a Transparência Brasil focaliza os seus esforços nos mecanismos de prevenção. Sem negar a existência ou importância das questões morais, em nossa atuação não nos ocupamos delas. Não temos por alvo indivíduos ou a cultura, mas o ambiente institucional e administrativo. É desse que decorre a moralidade predominante. Evidentemente, uma iniciativa como o pacto carrega consigo o mérito de convidar empresas a uma discussão sobre a corrupção, muito pouco compreendida pelo setor privado.
Há, contudo, riscos na forma como o pacto poderá vir a ser usado. O instrumento consiste numa declaração de que as empresas que o assinem evitarão envolver-se em corrupção. Há cláusulas subsidiárias, mas essa constitui o coração da iniciativa. Ora, observamos ser desnecessário alguém assinar um documento para afirmar que não descumprirá a lei. Basta cumpri-la.
Ocorre ainda que se trata de uma declaração negativa a respeito de atos secretos. Dada uma determinada empresa subscritora, não há modo de aquilatar se, no cotidiano, ela se comporta conforme declarado. É uma situação muito diferente de uma afirmação positiva, de que "em prazo tal e qual, tomaremos a medida "x'". Vencido o prazo, a inspeção direta permite concluir se a medida "x" foi ou não foi tomada.
No caso em questão, não existe modo de se proceder a inspeção semelhante. Como saber se a negativa de corromper está ou não está sendo cumprida, mesmo que os fatores subsidiários (existência de código de ética etc.) sejam verificáveis?
Essa circunstância não é apenas formal. Vivemos num país de mentira, em que criminosos negam o que as provas exibem, e no qual muitos agentes políticos esmeram-se no cinismo como meio de vida.
O Código Penal brasileiro nem sequer prevê penalidades pelo fato de réus faltarem com a verdade. Como vimos no desenvolvimento do caso Correios/mensalão (por exemplo), a mentira transformou-se em coisa corriqueira, a ponto de corruptos notórios não terem pejo de se recandidatarem às eleições deste ano e de seus partidos os acolherem.
Não se deve imaginar que o mundo empresarial seja dotado de imunidade à mentira. Como, além disso, a projeção de imagem é hoje predominante, a pergunta que se impõe é a seguinte: o que impedirá empresas de assinarem o pacto, explorarem o fato mercadologicamente, mas continuarem a praticar os atos de corrupção que vocalmente condenam?
Há um risco mais sério, o de que se considere que, devida a algumas centenas de empresas terem assinado um documento, o combate à corrupção estaria bem encaminhado, perdendo-se de vista a necessidade de atacá-la nas suas raízes objetivas.
Apesar de não aderir ao pacto, a Transparência Brasil não o combate, colocando-se à disposição para emprestar sua experiência ao desenvolvimento de iniciativas destinadas à prevenção da corrupção na interação entre empresas e o Estado.


EDUARDO RIBEIRO CAPOBIANCO , empresário, é presidente do conselho deliberativo da Transparência Brasil e membro do conselho deliberativo do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social.
CLAUDIO WEBER ABRAMO é diretor-executivo da Transparência Brasil. www.transparencia.org.br


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