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TENDÊNCIAS/DEBATES
Um país de mentira
EDUARDO RIBEIRO CAPOBIANCO e CLAUDIO WEBER ABRAMO
REARLIZA-SE HOJE o lançamento do Pacto Empresarial pela
Integridade e Contra a Corrupção, liderado pelo Instituto Ethos de
Empresas e Responsabilidade Social.
Muitos perguntam por que a Transparência Brasil, organização que se
dedica ao combate à corrupção, não
aderiu à iniciativa.
Consideramos que o instrumento
deve ser saudado, mas ponderamos
que o melhor combate à corrupção
faz-se pelo ataque às condições objetivas que a propiciam.
A corrupção não acontece porque
existem pessoas desonestas no mundo, mas porque o ambiente em que
ocorre a interação entre os agentes
públicos e privados dá oportunidades
para conluios entre uns e outros.
A consideração predominante é
econômica e não moral. Se as condições do ambiente institucional
(Constituição, leis, regulamentos) e
administrativo (aplicação da lei, controles, disponibilização de informação) apresentam oportunidades para
realização desses conluios e os riscos
são reduzidos, a racionalidade econômica será guiada por tais fatores.
É claro que existirão exceções, empresas que recuarão de recorrer ao
suborno para vencer licitações públicas, sonegar impostos, obter vantagens em regulamentos que afetem
suas áreas de atuação etc.
Não se deve, contudo, considerar
que a exceção faça a regra.
É devido à primazia da racionalidade econômica nas decisões empresariais que a Transparência Brasil focaliza os seus esforços nos mecanismos
de prevenção. Sem negar a existência
ou importância das questões morais,
em nossa atuação não nos ocupamos
delas. Não temos por alvo indivíduos
ou a cultura, mas o ambiente institucional e administrativo. É desse que
decorre a moralidade predominante.
Evidentemente, uma iniciativa como o pacto carrega consigo o mérito
de convidar empresas a uma discussão sobre a corrupção, muito pouco
compreendida pelo setor privado.
Há, contudo, riscos na forma como
o pacto poderá vir a ser usado.
O instrumento consiste numa declaração de que as empresas que o assinem evitarão envolver-se em corrupção. Há cláusulas subsidiárias,
mas essa constitui o coração da iniciativa. Ora, observamos ser desnecessário alguém assinar um documento para afirmar que não descumprirá a lei.
Basta cumpri-la.
Ocorre ainda que se trata de uma
declaração negativa a respeito de atos
secretos. Dada uma determinada empresa subscritora, não há modo de
aquilatar se, no cotidiano, ela se comporta conforme declarado.
É uma situação muito diferente de
uma afirmação positiva, de que "em
prazo tal e qual, tomaremos a medida
"x'". Vencido o prazo, a inspeção direta permite concluir se a medida "x" foi
ou não foi tomada.
No caso em questão, não existe modo de se proceder a inspeção semelhante. Como saber se a negativa de
corromper está ou não está sendo
cumprida, mesmo que os fatores subsidiários (existência de código de ética etc.) sejam verificáveis?
Essa circunstância não é apenas
formal. Vivemos num país de mentira, em que criminosos negam o que as
provas exibem, e no qual muitos
agentes políticos esmeram-se no cinismo como meio de vida.
O Código Penal brasileiro nem sequer prevê penalidades pelo fato de
réus faltarem com a verdade. Como
vimos no desenvolvimento do caso
Correios/mensalão (por exemplo), a
mentira transformou-se em coisa
corriqueira, a ponto de corruptos notórios não terem pejo de se recandidatarem às eleições deste ano e de
seus partidos os acolherem.
Não se deve imaginar que o mundo
empresarial seja dotado de imunidade à mentira. Como, além disso, a projeção de imagem é hoje predominante, a pergunta que se impõe é a seguinte: o que impedirá empresas de assinarem o pacto, explorarem o fato
mercadologicamente, mas continuarem a praticar os atos de corrupção
que vocalmente condenam?
Há um risco mais sério, o de que se
considere que, devida a algumas centenas de empresas terem assinado
um documento, o combate à corrupção estaria bem encaminhado, perdendo-se de vista a necessidade de
atacá-la nas suas raízes objetivas.
Apesar de não aderir ao pacto, a
Transparência Brasil não o combate,
colocando-se à disposição para emprestar sua experiência ao desenvolvimento de iniciativas destinadas à
prevenção da corrupção na interação
entre empresas e o Estado.
EDUARDO RIBEIRO CAPOBIANCO , empresário, é presidente do conselho deliberativo da Transparência Brasil e
membro do conselho deliberativo do Instituto Ethos de
Empresas e Responsabilidade Social.
CLAUDIO WEBER ABRAMO é diretor-executivo da
Transparência Brasil.
www.transparencia.org.br
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