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MARCOS NOBRE
A década que não acabou
Imagine que a balbúrdia
das alianças estaduais e regionais não aconteça apenas
a cada quatro anos, em ano
de eleições gerais. Imagine
que seja a regra da política
brasileira.
Imagine que a política nacional seja somente o resultado de acordos pontuais e instáveis, ditados por interesses
de chefes políticos locais. Imagine que os acordos durem
tanto quanto a rolagem de toda a dívida pública nacional:
uma noite, "overnight" no jargão da época.
Imaginou? Bem-vindo à década de 1980.
Foi a década dos governadores. Um tempo de inflação
fora de controle e de contas
públicas em desordem, em que Estados tinham bancos importantes, faziam política monetária e fiscal, rivalizando com a União.
A partir de FHC, a União se impôs sobre a política dos governadores. Centralizou a política monetária e fiscal. E deu ao partido que ocupa o poder federal o monopólio da formulação política mais ampla.
Mas a confusão atual nos
arranjos estaduais mostra que
muita coisa da década de 1980
continua bem viva na política.
Mostra que PT e PSDB são polos que lideram, mas não dirigem, uma massa informe de interesses e de querelas regionais.
Durante três anos, os governadores guardam silêncio obsequioso, postos na dependência de transferências da União. Isso aconteceu mesmo com os candidatos de oposição José Serra e Aécio Neves.
Ao ser desencadeado o processo eleitoral, os interesses
locais reaparecem com apetite
e avidez. Interesses que raramente coincidem com recortes partidários. Menos ainda
com programas políticos.
Foi um quadro geral como
esse que pesou, por exemplo,
na decisão estratégica mais
importante do PT para as próximas eleições. Em nome da
aliança formal com o PMDB, o
partido abriu mão de disputar
governos estaduais e decidiu
concentrar esforços na eleição
para o Senado.
No poder há sete anos, Lula
concluiu que os governadores
podem ser controlados na
boca do caixa. E que a Câmara
dos Deputados, estruturalmente instável, é relativamente controlável, desde que devidamente atendidos médios,
pequenos e minúsculos
interesses.
Nessa lógica, o problema
seria o Senado. A duração
mais longa dos mandatos, o
menor número de integrantes,
a experiência política acumulada, tudo isso faria com que o
Senado fosse hoje de controle
mais difícil.
Seja como for, é uma lógica
de simples adaptação, e não
de transformação, a que move
os dois polos da política brasileira. São síndicos em um condomínio de interesses locais
irreconciliáveis. Onde o vale-tudo dos arranjos estaduais
não é uma anomalia. É a regra.
nobre.a2@uol.com.br
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