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Sob a fumaça do crack
A degradação profunda da pessoa causada pelo crack e a velocidade com que o usuário é consumido pela droga tornam plausível
o debate sobre tratamentos forçados para reabilitação de viciados.
A Prefeitura de São Paulo, por
exemplo, já estuda medidas jurídicas para recorrer à internação
compulsória dos dependentes de
crack. A ideia, como argumentou
o prefeito Gilberto Kassab, é dar
mais instrumentos para as equipes de saúde e assistência.
Por trás da preocupação legítima com essa população vulnerável existe, como é óbvio, o evidente apelo popular de proceder a
uma "limpeza" das cracolândias
que despontam pela cidade.
A medida, no entanto, é questionável sob dois aspectos principais. Em primeiro lugar, pela sua
eficácia duvidosa. Em segundo,
pela controvérsia sobre a legalidade desse tipo de tratamento.
O crack é muito pernicioso. Chega ao cérebro em seis a oito segundos, contra três a cinco minutos
da cocaína em pó. Poucas doses
podem causar dependência. Sintomas de abstinência começam a
surgir cinco minutos após o uso.
Em razão disso, e da total incapacidade de muitos usuários de
romper o círculo vicioso, alguns
especialistas defendem o internamento compulsório. A medida,
porém, é paliativa. Tratamentos à
revelia -para o viciado em álcool,
cocaína ou crack- em geral só
afastam o dependente da droga
por um certo período.
Não se deve excluir de todo do
debate, entretanto, a possibilidade de internar o usuário de crack
que esteja imerso há dias num surto ou espiral de consumo. Assim
como se socorre uma vítima inconsciente de acidente de trânsito, pode ser a única chance de salvar a pessoa. Mas, tão logo o indivíduo recupere o discernimento,
volta a ser o árbitro de seu destino.
Cabe ao poder público tentar tecer uma rede de assistência que
incentive o usuário a não retomar
o vício, e não impedi-lo à força.
Também pela ótica legal e dos direitos individuais, a internação
compulsória parece insustentável. Adultos, desde que não ofereçam riscos à segurança e à ordem
pública, decidem o próprio futuro.
Ainda que debilitados pela droga,
não cabe ao Estado impor-lhes
condições definitivas ou perenes.
A melhor saída é ampliar a rede
de apoio aos viciados, com mais
centros especializados para o tratamento. Todas as esferas de poder devem trabalhar em conjunto
para buscar soluções para o crack.
O problema requer iniciativas urgentes e inovadoras.
A internação compulsória não é
uma panaceia milagrosa. Quando
muito, é uma cortina de fumaça.
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