São Paulo, quarta-feira, 22 de junho de 2011 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES A qualidade da universidade brasileira ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE
Há exatos 35 anos, em 22/6/1976, escrevi o artigo inaugural da seção "Tendências/Debates", intitulado "Tecnologia e humanismo". Desde então, especialmente nos últimos dez ou 12 anos, ficou universalmente reconhecida a importância das universidades ditas de pesquisas para o desenvolvimento econômico de seus respectivos países. Como consequência, proliferaram diferentes esquemas de avaliação, em que se incluem ordenações por qualidade (ranking). Embora opiniões sobre o que seja qualidade divirjam, é notável a convergência das classificações das universidades de todo o mundo, realizadas com critérios distintos. Exemplo expressivo é o fato de que, dentre as dez primeiras classificadas, estão quase sempre as mesmas sete ou oito americanas e as duas ou três inglesas, quaisquer que sejam os critérios. Essas características ocorrem até pelo menos a ducentésima posição, embora sem a mesma acuidade que no caso das dez primeiras. A pertinência dessas avaliações, incômodas, para dizer o menos, para certos acadêmicos, não surpreendentemente é contestada. Se no Brasil as avaliações negativas de suas universidades serviram apenas para provocar ressentidos diatribes inconsequentes, em países maduros e em outros emergentes elas ao menos produziram tentativas de identificação das razões das deficiências de suas instituições de ensino superior; em alguns casos, reformas já foram encetadas. O presidente da Universidade Yale (EUA), Richard C. Levin, em recente artigo na revista "Foreign Affairs", mostra como a China elegeu nove universidades (denominadas C9) para concentrar recursos, o que já havia acontecido com Japão, Coreia do Sul e Taiwan. A agenda da Índia é ainda mais ambiciosa, com 14 universidades escolhidas. Os países que estão se desenvolvendo mais aceleradamente no Oriente imitam nesse aspecto os EUA e a Inglaterra. A França encomendou um estudo a um grupo de intelectuais provenientes de vários países (a "Missão Aghion"), com a finalidade justamente de identificar as diferenças entre as grandes universidades do exterior e as francesas. O relatório resultante serve melhor ao Brasil que à França. Abaixo, listamos as diferenças essenciais entre as universidades brasileiras e as universidades mais bem qualificadas dos EUA e da Inglaterra. 1 - O órgão máximo no Brasil, o conselho universitário, é constituído essencialmente por membros da corporação interna (70 na Unicamp e cem na USP), enquanto nas grandes universidades do exterior o órgão colegiado supremo é formado por uma grande maioria de cidadãos prestantes externos à universidade (entre dez e 15), frequentemente empresários, dirigentes de instituições da sociedade civil etc. 2 - Enquanto no Brasil eleições de reitores e diretores se fazem entre e por grupelhos da corporação interna, desnaturando a atividade acadêmica, nas boas universidades do exterior o conselho escolhe um comitê de busca para procurar seus reitores e diretores, principalmente fora da universidade. 3 - No Brasil, tudo favorece a endogenia ("inbreeding"), enquanto no exterior uma pluralidade de mecanismos é adotada para eliminá-la em todos os níveis da carreira universitária. São escolhidos fora da universidade os professores titulares e, por vezes, os associados. 4 - Finalmente, nas universidades americanas o pesquisador-docente só alcança estabilidade, e assim mesmo precária, no fim da carreira; aqui, começa como vitalício. Sabemos, portanto, por que nossas universidades são deficientes. Resta ver se temos vontade política para mudar, o que não fizemos nesse intervalo de 35 anos. ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE, 79, físico, é professor emérito da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), presidente do Conselho de Administração da ABTLuS (Associação Brasileira de Tecnologia de Luz Síncrotron) e membro do Conselho Editorial da Folha. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br Texto Anterior: Antonio Delfim Netto: Melhor gestão Próximo Texto: Ronaldo Costa Couto: De Gaulle espionou JK Índice | Comunicar Erros |
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