São Paulo, terça-feira, 22 de julho de 2008

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Editoriais

Diplomacia infeliz

Com menção absurda ao nazismo, Celso Amorim fornece pretexto gratuito a nações ricas, que não querem fim de subsídios

COMEÇOU MAL mais uma tentativa de destravar as negociações da Rodada Doha de liberalização comercial. Desta feita, o protagonista do mal-estar que envolveu os principais negociadores reunidos em Genebra foi o chanceler brasileiro, Celso Amorim.
Num esforço para descrever o ponto de vista do bloco de países que advoga pela redução dos subsídios que as nações mais ricas destinam a seu setor agrícola, Amorim teve a infeliz idéia de citar o ministro da Propaganda de Adolf Hitler, Joseph Goebbels. "O autor não é bom, mas é verdade: uma mentira dita muitas vezes vira verdade", disparou.
Ele criticava a impressão difundida pelos países desenvolvidos de que o entendimento sobre agricultura estava adiantado e que um acordo dependia apenas das negociações industriais, em que os emergentes vêm sendo instados a aceitar reduções de tarifas mais substanciais.
A reação à fala de Amorim foi imediata. "Incrivelmente errada" e "insultante" foram alguns dos termos utilizados pela representação norte-americana para qualificar as observações do chefe da chancelaria brasileira. Já os europeus escolheram a expressão "altamente lamentável".
É de fato absurdo que um diplomata do calibre de Amorim tenha cometido erro tão primário. Para além da deselegância -a representante dos EUA, Susan Schwab, é filha de sobreviventes do Holocausto nazista-, ele deu a seus adversários uma vantagem inicial ao oferecer-lhes um bom pretexto para dar início às negociações criticando a posição do Brasil e seus aliados.
Ressalte-se que, desta vez, o Itamaraty e o próprio Amorim, ao contrário do que muitas vezes fazem, tiveram a sabedoria de não perseverar no erro. Reconheceram a falha e pediram desculpas pelo incidente.
As negociações já são complexas e difíceis demais sem a introdução de falsas polêmicas.
Embora todas as partes concordem em que devem concordar, quando se detalham os compromissos de cada qual para a maior abertura torna-se virtualmente impossível forjar um consenso. De um lado, EUA e União Européia só se dispõem a reduções mínimas nos limites máximos a seus subsídios agropecuários em troca de concessões maiores das nações em desenvolvimento na área industrial e de serviços. De outro, os países em desenvolvimento agrupados sob a rubrica do G20, do qual o Brasil é uma das lideranças, relutam, com razão, em ceder tanto em troca de tão pouco.
Para agravar ainda mais o quadro, a janela para um acordo está se estreitando. Os EUA, sem os quais qualquer acerto é impensável, estão entrando num processo eleitoral do qual emergirão um novo presidente e um novo Congresso, cujas posições acerca de Doha não são conhecidas. Na Europa, as divisões entre nações mais e menos protecionistas seguem favorecendo uma política ambígua. Também o G20 constitui um bloco menos coeso do que fazem sugerir certos relatos publicados da imprensa mundial.
Assim, não será exatamente uma surpresa se mais essa tentativa de salvar Doha fracassar. É fato que o mundo pode sobreviver sem esse acordo, mas também é verdade que avanços nessa área poderiam favorecer os países mais pobres, não por acaso os que mais estão sofrendo com a alta de preços agrícolas.


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