|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
JOSÉ SARNEY
Morte em Bagdá
Não se cobre coerência ao terror. Esse exercício nos levaria a
uma desmesurada confusão mental.
Numa lógica linear, o último atentado
a ser praticado pelos desesperados iraquianos seria à sede das Nações Unidas em Bagdá. A ONU resistiu a todas
as pressões americanas para aceitar a
invasão do Iraque como guerra justa.
Seus inspetores esgotaram o extremo
da paciência nas repetidas e infrutíferas viagens que fizeram em busca das
armas de destruição em massa. As Nações Unidas se recusaram a participar
de uma farsa para descobrir os esconderijos dos artefatos que iriam levar as
bombas biológicas e químicas tão desejadas por Condoleezza Rice.
A ONU, depois de tudo consumado
sem o seu aval e com o seu protesto,
aceitou ajudar o Iraque a sair do seu
labirinto de dor, constituindo uma
missão humanitária para, em Bagdá,
ajudar o povo iraquiano neste momento difícil.
Para essa missão, escolheu um homem tarimbado em tarefas difíceis,
com grande experiência nas bandeiras
da paz -missão árdua dos organismos internacionais, feitos para harmonizar conflitos entre as nações,
mas até hoje fragilizados pela debilidade de seus recursos materiais e militares, sem contar a resistência que têm
de enfrentar contra a tutela das grandes potências.
Vieira de Mello começou a sua vida
na assistência a refugiados que perambulam pelos caminhos do mundo, expulsos de seu chão por impasses
políticos e militares. Ajudou gregos e
troianos, sem perguntar por credos e
razões, todos vítimas de conflitos não
resolvidos.
No Líbano, fez parte dos batalhões
azuis da ONU. Esteve em Bangladesh,
entre catástrofes e rescaldos que vinham desde a divisão do Império Britânico das Índias. Moçambique e Kosovo foram outras paradas.
No Timor Leste, talvez sua missão
mais difícil, foi peça principal na reconstrução de um país que buscava
sua alma e sua história. Partiu com
acenos de gratidão.
No desdobramento de sua carreira,
chegou ao Alto Comissariado dos Direitos Humanos, de onde saiu para a
saga do Iraque.
Todos confiavam em seu talento diplomático, inteligência, firmeza, habilidade e, qualidade não menos importante, jogo de cintura, o gingado carioca.
Ali, as coisas se complicaram. Entrou no núcleo do "pugilato da razão
com o erro". Uma pergunta que nos
atormenta é a vulnerabilidade em que
se encontrava. Certamente o comando geral das forças de ocupação do
Iraque está bem protegido. A sede da
ONU, em missão humanitária, tinha
apenas a bandeira das Nações Unidas
e o símbolo da pomba da paz. Coitada
da pobrezinha!
O final é a tragédia, na qual o nosso
país participou com o sangue e a vida
de um brasileiro exemplar. Foi ele
quem bem definiu a situação, com o
dedo na ferida: "Eu não gostaria de ver
tanques estrangeiros em Copacabana".
Resta a constatação desalentadora
de que a guerra do Iraque está apenas
começando. Será "infinita enquanto
dure".
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Marcelo Beraba: E por falar nisso Próximo Texto: Frases
Índice
|