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São Paulo, sexta-feira, 22 de agosto de 2003

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JOSÉ SARNEY

Morte em Bagdá

Não se cobre coerência ao terror. Esse exercício nos levaria a uma desmesurada confusão mental. Numa lógica linear, o último atentado a ser praticado pelos desesperados iraquianos seria à sede das Nações Unidas em Bagdá. A ONU resistiu a todas as pressões americanas para aceitar a invasão do Iraque como guerra justa. Seus inspetores esgotaram o extremo da paciência nas repetidas e infrutíferas viagens que fizeram em busca das armas de destruição em massa. As Nações Unidas se recusaram a participar de uma farsa para descobrir os esconderijos dos artefatos que iriam levar as bombas biológicas e químicas tão desejadas por Condoleezza Rice.
A ONU, depois de tudo consumado sem o seu aval e com o seu protesto, aceitou ajudar o Iraque a sair do seu labirinto de dor, constituindo uma missão humanitária para, em Bagdá, ajudar o povo iraquiano neste momento difícil.
Para essa missão, escolheu um homem tarimbado em tarefas difíceis, com grande experiência nas bandeiras da paz -missão árdua dos organismos internacionais, feitos para harmonizar conflitos entre as nações, mas até hoje fragilizados pela debilidade de seus recursos materiais e militares, sem contar a resistência que têm de enfrentar contra a tutela das grandes potências.
Vieira de Mello começou a sua vida na assistência a refugiados que perambulam pelos caminhos do mundo, expulsos de seu chão por impasses políticos e militares. Ajudou gregos e troianos, sem perguntar por credos e razões, todos vítimas de conflitos não resolvidos.
No Líbano, fez parte dos batalhões azuis da ONU. Esteve em Bangladesh, entre catástrofes e rescaldos que vinham desde a divisão do Império Britânico das Índias. Moçambique e Kosovo foram outras paradas.
No Timor Leste, talvez sua missão mais difícil, foi peça principal na reconstrução de um país que buscava sua alma e sua história. Partiu com acenos de gratidão.
No desdobramento de sua carreira, chegou ao Alto Comissariado dos Direitos Humanos, de onde saiu para a saga do Iraque.
Todos confiavam em seu talento diplomático, inteligência, firmeza, habilidade e, qualidade não menos importante, jogo de cintura, o gingado carioca.
Ali, as coisas se complicaram. Entrou no núcleo do "pugilato da razão com o erro". Uma pergunta que nos atormenta é a vulnerabilidade em que se encontrava. Certamente o comando geral das forças de ocupação do Iraque está bem protegido. A sede da ONU, em missão humanitária, tinha apenas a bandeira das Nações Unidas e o símbolo da pomba da paz. Coitada da pobrezinha!
O final é a tragédia, na qual o nosso país participou com o sangue e a vida de um brasileiro exemplar. Foi ele quem bem definiu a situação, com o dedo na ferida: "Eu não gostaria de ver tanques estrangeiros em Copacabana".
Resta a constatação desalentadora de que a guerra do Iraque está apenas começando. Será "infinita enquanto dure".


José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.


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