São Paulo, sexta-feira, 22 de agosto de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Água fria na fervura do Jirau

JOÃO CAMILO PENNA


Espera-se que a CNO não persista no propósito de embargar judicialmente o resultado da concorrência para a usina do Jirau

NAS ÚLTIMAS semanas, a imprensa publicou sucessivas notícias sobre a concorrência para a venda de energia da usina do Jirau, a ser construída no rio Madeira. Dessa usina advirá um grande bloco de energia, 3.300 MW, com 1.975 MW médios. O interesse pelo tema vem também do fato de que a concorrência é disputada por pesos pesados da construção no Brasil, ambos em associação com empresas do grupo Eletrobrás. A decisão da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), confirmada pelo Ministério de Minas e Energia e pelo Tribunal de Contas da União, este último registrando apoio à mudança do local do eixo da usina no leito do rio, foi favorável ao Consórcio Cesb (Suez, Chesf, Eletrosul, Camargo Corrêa), que ainda aguarda parecer do Ibama. O contrato de concessão ao Cesb foi assinado no dia 12 de agosto no Planalto, chancelado pelo presidente Lula. Porém, o consórcio Odebrecht-Furnas, que construirá Santo Antônio, após medidas protelatórias rejeitadas pela Aneel, contesta a mudança de projeto e ameaça ação judicial. O projeto que muda o eixo da barragem reduz expressivamente os custos da obra e antecipa o fornecimento de energia de janeiro de 2013 para janeiro de 2012. Resulta em redução do preço da energia regulada, 70% da energia total, de R$ 85,02, cotação de CNO-Furnas, para R$ 71,37 na cotação do Cesb. Essa diferença de preços representa R$ 20 milhões mensais por toda a vida da usina. Modicidade tarifária, segurança no abastecimento energético nacional e ausência de especulações sobre novo racionamento só trazem ganhos para a sociedade brasileira. O leilão foi de geração de energia, ganhando a melhor solução de engenharia. Não se tratou de leiloar uma obra rigidamente georreferenciada. Uma ação judicial levará anos para ser decidida e gerará temores de instabilidade nos investidores externos. O país não pode correr esse risco. Com 55 anos de vida profissional, passei mais de 30 anos no setor elétrico, na Cemig, em Furnas, na Energisa e no Conselho de Administração de Itaipu, tomando parte nos trabalhos para mitigar o racionamento em 2001. Sinto-me no dever de contribuir com esse debate à luz de experiências vividas. Caso análogo ocorreu em São Simão, na divisa de Minas Gerais com Goiás, na década de 1970, uma grande usina para a qual a Cemig conseguiu empréstimo do Banco Mundial para obras civis, colocadas em concorrência internacional. Grandes construtoras brasileiras se revoltaram e mobilizaram a opinião publica. A decisão, porém, foi sustentada pelos então ministros Leitão de Abreu e Dias Leite, e a construção se deu em tempo recorde e dentro do orçamento. Convicto da importância das lideranças e da sua influência sobre os acontecimentos e -Goethe já o disse-, na premissa de que os valores herdados devem ser respeitados, vou aqui rever a figura do engenheiro Norberto Odebrecht. Em julho de 1981, quando ministro da Indústria e Comércio, tomei parte em debate promovido por Saïd Farhat, com Lucas Garcez, Olavo Setubal, Ruy Barreto, Luiz Salles e Norberto Odebrecht. Além do respeito a todos, admirava Odebrecht por suas realizações na engenharia -minha formação- e por sua contribuição à cultura brasileira, com publicações magníficas que editava sobre a vida do país. Os anais do debate registram sua manifestação convicta de que a relação do empresário com os governantes devia ser revestida do caráter de normalidade; que a troca de informações entre as partes podia afastar dúvidas infundadas; e que soluções inadequadas adviriam da falta de diálogo e negociação. Afirmava que, no plano dos negócios, comumente sujeito a suspeitas, a palavra franca abre caminho a decisões claras e produtivas, em atitude de respeito mútuo, em que autoridade não se confunde com abuso de poder, nem cordialidade com intimidade comprometedora. E que se impõe a conciliação no objetivo de prestação de serviço em benefício da coletividade. Ele dizia ainda que, prevalecendo o espírito publico, há sempre um terreno comum de entendimento edificante entre os homens de governo e os empresários. Aplicando ao caso atual essas notáveis máximas de comportamento -certamente uma das causas do notável sucesso do Grupo Odebrecht-, deve-se esperar que a CNO não persista no propósito de embargar judicialmente o resultado da concorrência para Jirau.

JOÃO CAMILO PENNA, engenheiro, integra o Conselho Consultivo da Eletrobrás e o Conselho de Administração da Cemig (Companhia Energética de Minas Gerais). Integrou o Conselho de Ética Pública da Presidência da República (2002 a 2005) e o Conselho de Administração de Itaipu (1994 a 2002). Foi ministro da Indústria e Comércio (governo João Baptista Figueiredo).



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