São Paulo, sexta-feira, 22 de setembro de 2006

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Feriado na praia, as informações que faltaram

HENRIQUE NELSON CALANDRA

A proposta não foi de recreação. Nada foi dado a nenhum magistrado que não fosse oportunidade de trabalho e debate

GANHOU DESTAQUE no noticiário a ida de empresários e magistrados à Bahia para participarem de debates sobre temas ligados à economia e ao direito ("Bancos pagam feriado na praia de 47 juízes", Brasil, dia 11/9).
O evento, organizado pelo Imats (Instituto dos Magistrados dos Tribunais Superiores), que é voltado ao estudo e aperfeiçoamento do Judiciário, contou com temário variado. O objetivo central era mostrar aos juízes os caminhos da economia, e aos empresários, a colaboração necessária ao aprimoramento da Justiça.
Um dos painéis versou sobre a dinâmica da mediação e da conciliação como instrumento para prevenir a morosidade e eliminar conflitos. É campanha do Conselho Nacional de Justiça, que até poderá ser apresentada em acampamento de movimento social -mas cada coisa no seu momento. O objetivo, naquela oportunidade, era justamente convencer os empresários da necessidade de colaborar com tal tipo de iniciativa.
As palestras e os debates tiveram duração média de seis horas diárias, em dias de feriado, normalmente dedicados ao descanso e ao lazer. Assim, a viagem foi de trabalho para todos os envolvidos, inclusive para os jornalistas convidados, que, infelizmente, não deram o destaque necessário para as matérias de economia e direito.
Para quem diz que magistrado não visita acampamentos do MST, é preciso destacar que, no fórum social de Porto Alegre, não só houve visita da AMB e dos magistrados ao acampamento como debate aberto com todos os segmentos sociais.
O fato de magistrados ouvirem empresários em ambiente público -em debate gravado e transmitido pela internet para todo o país- não lhes retira a imparcialidade. A parceria com a Febraban e a CNI -que, ordinariamente, não são partes em nenhuma causa, não retira a isenção de nenhum juiz. A localização geográfica do evento diz respeito à logística de segurança para as partes envolvidas.
Qualquer brasileiro de médio entendimento sabe que o fato de uma entidade empresarial pagar as despesas de um seminário não valerá julgamento favorável a essa entidade ou seus membros. A magistratura brasileira jamais se venderia por um bilhete de avião ou uma diária de hotel.
Além de tudo isso, qualquer pessoa que seja parte em um processo e entenda que o juiz está comprometido com tal tipo de participação pode pedir o seu afastamento do processo. O convite a jornalistas e a publicidade do evento mostram sua licitude. Desse modo, é preciso que fique claro que a magistratura aceita, por meio de suas associações e institutos, convites para debater temas em qualquer local do país, com entidades legalmente constituídas.
Exemplo disso é a campanha Eleições Limpas da Associação de Magistrados Brasileiros, lançada em todo o país, pelo voto consciente e pela fiscalização do processo eleitoral, que, não fosse pela parceria com entidades privadas, não existiria, e a magistratura seguiria calada, tão ao gosto daqueles que pregam um Estado cabisbaixo, amordaçado e refém da violência de grupos criminosos, no qual os direitos humanos das vítimas são completamente esquecidos.
As parcerias com entidades privadas não contrariam o artigo 95, inciso IV, da Constituição, pois nenhum juiz recebeu benesse. A proposta foi de trabalho, e não de recreação. Nenhuma despesa pessoal de magistrado foi paga pelo evento. As despesas de transporte e estadia foram pagas em parceria com as entidades promoventes do evento. Nada foi dado a nenhum magistrado que não fosse oportunidade de trabalho e debate.
Aliás, tal tipo de seminário se enquadra perfeitamente no artigo 73, inciso I, da Loman (Lei Orgânica da Magistratura Nacional), uma vez que se destina ao aperfeiçoamento do Judiciário e dos magistrados. Registramos, uma vez mais, o inconformismo daqueles que fazem do estudo e do debate sua trincheira de luta por um Brasil melhor, e é por isso que dizemos não ao conservadorismo daqueles que querem ver o Brasil na contramão da história, nutrido por preconceitos e ódios e impedido de ver todas as realidades.
Nem Cristo foi compreendido quando visitou e se sentou com Zaqueu, mas ele sabia que o diálogo e o entendimento entre os homens são mais importantes do que os rótulos que alguns ou muitas pessoas colocam em alguém.


HENRIQUE NELSON CALANDRA, 61, é desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo e 1º vice-presidente da Apamagis (Associação Paulista de Magistrados).

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