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Feriado na praia, as informações que faltaram
HENRIQUE NELSON CALANDRA
A proposta não foi de recreação. Nada foi dado a nenhum magistrado que não fosse oportunidade de trabalho e debate
GANHOU DESTAQUE no noticiário a ida de empresários e
magistrados à Bahia para participarem de debates sobre temas ligados à economia e ao direito ("Bancos pagam feriado na praia de 47 juízes", Brasil, dia 11/9).
O evento, organizado pelo Imats
(Instituto dos Magistrados dos Tribunais Superiores), que é voltado ao
estudo e aperfeiçoamento do Judiciário, contou com temário variado. O
objetivo central era mostrar aos juízes os caminhos da economia, e aos
empresários, a colaboração necessária ao aprimoramento da Justiça.
Um dos painéis versou sobre a dinâmica da mediação e da conciliação
como instrumento para prevenir a
morosidade e eliminar conflitos. É
campanha do Conselho Nacional de
Justiça, que até poderá ser apresentada em acampamento de movimento
social -mas cada coisa no seu momento. O objetivo, naquela oportunidade, era justamente convencer os
empresários da necessidade de colaborar com tal tipo de iniciativa.
As palestras e os debates tiveram
duração média de seis horas diárias,
em dias de feriado, normalmente dedicados ao descanso e ao lazer. Assim,
a viagem foi de trabalho para todos os
envolvidos, inclusive para os jornalistas convidados, que, infelizmente,
não deram o destaque necessário para as matérias de economia e direito.
Para quem diz que magistrado não
visita acampamentos do MST, é preciso destacar que, no fórum social de
Porto Alegre, não só houve visita da
AMB e dos magistrados ao acampamento como debate aberto com todos os segmentos sociais.
O fato de magistrados ouvirem empresários em ambiente público -em
debate gravado e transmitido pela internet para todo o país- não lhes retira a imparcialidade. A parceria com
a Febraban e a CNI -que, ordinariamente, não são partes em nenhuma
causa, não retira a isenção de nenhum juiz. A localização geográfica
do evento diz respeito à logística de
segurança para as partes envolvidas.
Qualquer brasileiro de médio entendimento sabe que o fato de uma
entidade empresarial pagar as despesas de um seminário não valerá julgamento favorável a essa entidade ou
seus membros. A magistratura brasileira jamais se venderia por um bilhete de avião ou uma diária de hotel.
Além de tudo isso, qualquer pessoa
que seja parte em um processo e entenda que o juiz está comprometido
com tal tipo de participação pode pedir o seu afastamento do processo.
O convite a jornalistas e a publicidade do evento mostram sua licitude.
Desse modo, é preciso que fique
claro que a magistratura aceita, por
meio de suas associações e institutos,
convites para debater temas em qualquer local do país, com entidades legalmente constituídas.
Exemplo disso é a campanha Eleições Limpas da Associação de Magistrados Brasileiros, lançada em todo o
país, pelo voto consciente e pela fiscalização do processo eleitoral, que, não
fosse pela parceria com entidades
privadas, não existiria, e a magistratura seguiria calada, tão ao gosto daqueles que pregam um Estado cabisbaixo, amordaçado e refém da violência de grupos criminosos, no qual os
direitos humanos das vítimas são
completamente esquecidos.
As parcerias com entidades privadas não contrariam o artigo 95, inciso
IV, da Constituição, pois nenhum juiz
recebeu benesse. A proposta foi de
trabalho, e não de recreação. Nenhuma despesa pessoal de magistrado foi
paga pelo evento. As despesas de
transporte e estadia foram pagas em
parceria com as entidades promoventes do evento. Nada foi dado a nenhum magistrado que não fosse
oportunidade de trabalho e debate.
Aliás, tal tipo de seminário se enquadra perfeitamente no artigo 73,
inciso I, da Loman (Lei Orgânica da
Magistratura Nacional), uma vez que
se destina ao aperfeiçoamento do Judiciário e dos magistrados.
Registramos, uma vez mais, o inconformismo daqueles que fazem do
estudo e do debate sua trincheira de
luta por um Brasil melhor, e é por isso
que dizemos não ao conservadorismo
daqueles que querem ver o Brasil na
contramão da história, nutrido por
preconceitos e ódios e impedido de
ver todas as realidades.
Nem Cristo foi compreendido
quando visitou e se sentou com Zaqueu, mas ele sabia que o diálogo e o
entendimento entre os homens são
mais importantes do que os rótulos
que alguns ou muitas pessoas colocam em alguém.
HENRIQUE NELSON CALANDRA, 61, é desembargador
do Tribunal de Justiça de São Paulo e 1º vice-presidente
da Apamagis (Associação Paulista de Magistrados).
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