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ANTONIO DELFIM NETTO
O mercado é instrumento
Estamos todos envolvidos
numa rede de relações sociais
que permite uma introspecção
para tentar entender como
agimos e extrapolá-la para entender como agem os nossos parceiros.
Cada um de nós tem em si
uma certa dose de altruísmo,
simpatia e solidariedade naturais em relação a eles. Entretanto, em larga medida, nosso
comportamento: 1º) almeja liberdade de ação; 2º) a consequente apropriação dos seus
benefícios; 3º) obedece a incentivos que estimulam o nosso próprio interesse.
Ao longo da história, os homens foram selecionando mecanismos de organização econômica capazes de garantir a
sua própria sobrevivência, condicionada às três restrições apontadas acima. Trata-se de processo em contínuo aperfeiçoamento, que combina os "mercados" com um Estado amigável capaz de sustentar o seu funcionamento.
Foi com ele -com suas virtudes e carências-, e a incorporação da ciência e da tecnologia, que nos últimos 250
anos a humanidade multiplicou seu número por 6 e por 11 a
sua disponibilidade per capita
de bens e serviços. Sempre
houve e haverá uma dúvida
moral em relação ao funcionamento dos mercados quando
se refere a bens críticos, como saúde, por exemplo.
É preciso entender que o
"mercado" é apenas um instrumento, um método eficiente, mas dramático, de seleção
de quem pode ou não ter acesso aos bens: quem pode pagar
leva; quem pode pagar mais leva na frente...
Esse dilema é explorado
com competência no livro
("When Altruism Isn't
Enough", 2008), organizado
pela professora Sally Satel, da
Yale University School of Medicine, que teve a felicidade de
receber um transplante entre
100 mil americanos que estão
esperando doações de rins, fígados, corações e pulmões!
Como resolver esse problema? Pode o "mercado" fazer
isso? Talvez sim, como mostram no livro os economistas
J.J. Elías e Gary Becker (Nobel
de Economia). Um mercado
aberto e livre de órgãos eliminaria a diferença entre "oferta" (os doadores) e "procura"
(os necessitados), ao preço estimado de US$ 15 mil!
A imaginosa e competente
aritmetização do problema é
incapaz de esconder a indignação moral que ela produz!
Talvez seja possível sugerir solução menos repugnante centralizada na ação do Estado.
Não parece, porém, factível fazê-lo apenas apoiado no altruísmo. Talvez seja mesmo
necessário um "estímulo adequado" para os "doadores".
Por mais indecentes que sejam do ponto de vista moral
tais soluções, será que é moralmente justificável deixar
morrer anualmente milhares
de pessoas por falta de doadores? O ridículo é culpar o mercado. Ele é apenas o mensageiro dos doadores!
ANTONIO DELFIM NETTO escreve às
quartas-feiras nesta coluna.
contatodelfimnetto@terra.com.br
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