São Paulo, sábado, 22 de outubro de 2005

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?

SIM

Desarmamento, sim, mas não apenas

ROBERTO BUSATO

A opção "sim", em favor do desarmamento, decorre de convicções filosóficas pessoais arraigadas. Não creio na eficácia das armas como solução para o desafio da violência. Sou adepto do velho axioma segundo o qual violência gera violência.
Friso, porém, que falo em nome pessoal -e não como presidente do Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). No Conselho, não houve consenso. Ao contrário, ele se mostrou dividido quanto a essa questão, que é efetivamente polêmica.
Embora todos, em uníssono, clamemos por uma sociedade pacífica, há obviamente divergência quanto aos meios de construí-la. No caso do desarmamento, o grau de controvérsia decorre de aspectos complexos que envolvem o quadro de segurança interna do país nos meios urbano e rural.
Precário foi também o modo como se encaminhou o tema. Não houve debates suficientes para que a idéia amadurecesse. A sociedade foi surpreendida e há ainda grande contingente de pessoas sem convicção, tendentes a seguir o voto dos formadores de opinião.
Penso que o desarmamento é uma medida de grande relevância psicossocial e moral. Mas, para inspirar maior confiança à sociedade, deveria integrar um conjunto de ações estratégicas no campo da segurança pública. O ideal é que fosse o coroamento de um grande projeto do setor, tendo como ponto de partida uma política de combate ao contrabando de armas seguida de medidas de reequipamento e treinamento das polícias e outras de cunho social.
Solta e desvinculada de medidas correlatas, a ação desarmamentista dá margem aos argumentos dos que a combatem. Daí a perplexidade de tantos pacifistas -e todos o são no Conselho Federal da OAB- com relação ao objeto desse referendo.
Mesmo com todas essas ressalvas, opto pelo desarmamento. A proliferação de armas não dará mais segurança ao cidadão, que, em regra, nem sequer sabe manejá-las e se torna presa fácil no confronto com os bandidos. Mas essa iniciativa não pode ser isolada. Deve ser, como já disse, sucedida por ações consistentes do Estado na área de segurança interna e no plano social. Caso contrário, será inócua.
A sociedade brasileira é, no conjunto, pacífica. Os bolsões de violência que conhecemos são fruto de um quadro social anômalo que, se vigente em países de índole menos cordata, já teriam derivado para a guerra civil. O que nos falta é determinação política de enfrentar os desafios e implementar suas soluções.
É tempo de examinar propostas objetivas que envolvam Estado e sociedade para deter o contrabando de armas. Uma delas é ocupar as fronteiras a partir da construção de cidades e agrovilas. Sabemos que a extensão continental de nossas fronteiras favorece o contrabando de armas e o narcotráfico, dada a impossibilidade de vigiá-las plenamente apenas com efetivo policial ou militar. Seria necessário um contingente muito superior ao disponível ou ao alcance dos nossos recursos.
A presença de cidades, com todos os seus equipamentos e habitantes, favorece e possibilita o patrulhamento. A idéia não é nova, mas ainda não foi discutida com a seriedade necessária. É preciso trazer a sociedade civil para a discussão, que não pode ser monopolizada pelos agentes políticos. Também aí os instrumentos de democracia direta -referendo, plebiscito e iniciativa popular- devem ser acionados, conforme previsto no artigo 14 da Constituição.
Deveriam, aliás, ser acionados rotineiramente diante de qualquer projeto polêmico -a transposição das águas do rio São Francisco, por exemplo; ou mesmo a reforma político-eleitoral.
No ano passado, por ocasião do 15 de novembro, a OAB lançou a Campanha Nacional em Defesa da República e de suas instituições. Na ocasião, nem desconfiávamos que já escorria nos subterrâneos do Congresso a lama do "mensalão", mas iniciávamos a campanha movidos pelo mau comportamento de grande parte dos agentes políticos. E propusemos, como coroamento da campanha, a regulamentação do artigo 14, para tornar esses instrumentos de consulta direta à população rotineiros em nosso processo político.
São eles os instrumentos capazes de devolver à palavra república o seu sentido etimológico, e às nossas instituições, sua credibilidade, aproximando-as de sua fonte de poder: o povo. Nossa proposta já tramita no Congresso, mas a crise política não permitiu ainda que fosse melhor examinada. Nossa expectativa -e o presente referendo é quanto a isso nosso aliado- é que seja.
Louvo, por fim, o referendo do desarmamento e, com todas as restrições e ressalvas que mencionei, digo "sim" a ambos.


Roberto Busato, 51, é presidente nacional da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).


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