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TENDÊNCIAS/DEBATES
O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?
SIM
Desarmamento, sim, mas não apenas
ROBERTO BUSATO
A opção "sim", em favor do desarmamento, decorre de convicções
filosóficas pessoais arraigadas. Não
creio na eficácia das armas como solução para o desafio da violência. Sou
adepto do velho axioma segundo o qual
violência gera violência.
Friso, porém, que falo em nome pessoal -e não como presidente do Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). No Conselho, não
houve consenso. Ao contrário, ele se
mostrou dividido quanto a essa questão, que é efetivamente polêmica.
Embora todos, em uníssono, clamemos por uma sociedade pacífica, há obviamente divergência quanto aos meios
de construí-la. No caso do desarmamento, o grau de controvérsia decorre
de aspectos complexos que envolvem o
quadro de segurança interna do país
nos meios urbano e rural.
Precário foi também o modo como se
encaminhou o tema. Não houve debates suficientes para que a idéia amadurecesse. A sociedade foi surpreendida e
há ainda grande contingente de pessoas
sem convicção, tendentes a seguir o voto dos formadores de opinião.
Penso que o desarmamento é uma
medida de grande relevância psicossocial e moral. Mas, para inspirar maior
confiança à sociedade, deveria integrar
um conjunto de ações estratégicas no
campo da segurança pública. O ideal é
que fosse o coroamento de um grande
projeto do setor, tendo como ponto de
partida uma política de combate ao
contrabando de armas seguida de medidas de reequipamento e treinamento
das polícias e outras de cunho social.
Solta e desvinculada de medidas correlatas, a ação desarmamentista dá
margem aos argumentos dos que a
combatem. Daí a perplexidade de tantos pacifistas -e todos o são no Conselho Federal da OAB- com relação ao
objeto desse referendo.
Mesmo com todas essas ressalvas, opto pelo desarmamento. A proliferação
de armas não dará mais segurança ao cidadão, que, em regra, nem sequer sabe
manejá-las e se torna presa fácil no confronto com os bandidos. Mas essa iniciativa não pode ser isolada. Deve ser,
como já disse, sucedida por ações consistentes do Estado na área de segurança interna e no plano social. Caso contrário, será inócua.
A sociedade brasileira é, no conjunto,
pacífica. Os bolsões de violência que conhecemos são fruto de um quadro social anômalo que, se vigente em países
de índole menos cordata, já teriam derivado para a guerra civil. O que nos falta
é determinação política de enfrentar os
desafios e implementar suas soluções.
É tempo de examinar propostas objetivas que envolvam Estado e sociedade
para deter o contrabando de armas.
Uma delas é ocupar as fronteiras a partir da construção de cidades e agrovilas.
Sabemos que a extensão continental de
nossas fronteiras favorece o contrabando de armas e o narcotráfico, dada a impossibilidade de vigiá-las plenamente
apenas com efetivo policial ou militar.
Seria necessário um contingente muito
superior ao disponível ou ao alcance
dos nossos recursos.
A presença de cidades, com todos os
seus equipamentos e habitantes, favorece e possibilita o patrulhamento. A idéia
não é nova, mas ainda não foi discutida
com a seriedade necessária. É preciso
trazer a sociedade civil para a discussão,
que não pode ser monopolizada pelos
agentes políticos. Também aí os instrumentos de democracia direta -referendo, plebiscito e iniciativa popular-
devem ser acionados, conforme previsto no artigo 14 da Constituição.
Deveriam, aliás, ser acionados rotineiramente diante de qualquer projeto polêmico -a transposição das águas do
rio São Francisco, por exemplo; ou mesmo a reforma político-eleitoral.
No ano passado, por ocasião do 15 de
novembro, a OAB lançou a Campanha
Nacional em Defesa da República e de
suas instituições. Na ocasião, nem desconfiávamos que já escorria nos subterrâneos do Congresso a lama do "mensalão", mas iniciávamos a campanha movidos pelo mau comportamento de
grande parte dos agentes políticos. E
propusemos, como coroamento da
campanha, a regulamentação do artigo
14, para tornar esses instrumentos de
consulta direta à população rotineiros
em nosso processo político.
São eles os instrumentos capazes de
devolver à palavra república o seu sentido etimológico, e às nossas instituições,
sua credibilidade, aproximando-as de
sua fonte de poder: o povo. Nossa proposta já tramita no Congresso, mas a
crise política não permitiu ainda que
fosse melhor examinada. Nossa expectativa -e o presente referendo é quanto
a isso nosso aliado- é que seja.
Louvo, por fim, o referendo do desarmamento e, com todas as restrições e
ressalvas que mencionei, digo "sim" a
ambos.
Roberto Busato, 51, é presidente nacional da
OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).
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