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TENDÊNCIAS/DEBATES
O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?
NÃO
Confisco de direitos
FLAVIO FLORES DA CUNHA BIERRENBACH
Na América Latina, não faz muito
tempo, cerca de 30 anos, o capitalismo selvagem precisava de uma ditadura em cada país para fazer o trabalho
sujo. Hoje, não. O neoliberalismo se encarrega do serviço de uma forma
"clean", com lençóis e travesseiros, com
eleições e plebiscitos.
Para tornar o mundo mais seguro para as corporações transnacionais, a partir de 1977 foi gestada na famosa Comissão Trilateral a doutrina do desarmamento das populações dos países do
Terceiro Mundo, agora não mais chamados de periféricos ou subdesenvolvidos, mas "em vias de desenvolvimento", eufemismo que equivale a uma promessa de eternidade.
Uma parte da esquerda engoliu a isca
e o anzol. Paciência, dizem. A globalização e a interdependência são fatalidades
inexoráveis e, afinal, ninguém segura
este país.
À míngua de uma política consistente
de segurança pública para o Brasil, alguns políticos aderiram em peso ao arrastão ideológico de ONGs que utilizam
a paranóia, a propaganda e sobretudo a
mentira como técnicas de profanação
da vontade coletiva.
Não deu certo. A despeito da Rede
Globo e de seus múltiplos instrumentos, a campanha do desarmamento
-logo também encampada pelo PT-
foi revelando, em retrato de corpo inteiro, sua espantosa mediocridade. Seja
pela futilidade das medidas que propõe
para reduzir as taxas de violência urbana, seja pela fragilidade dos dados apresentados e pela indigência dos respectivos argumentos. Confirmou-se ao longo da campanha a certeza de que a política de desarmamento proposta é inconstitucional, irrazoável, demagógica
e totalitária, incompatível com o Estado
democrático de Direito.
No fundo, o que eles querem mesmo é
acabar com sua aposentadoria, aumentar os impostos, censurar o seu pensamento e, agora, reduzir o seu coeficiente
de liberdade e suprimir o seu direito de
defesa, que é o primeiro e o mais antigo
de todos os direitos humanos.
Desde a célebre Declaração da Virginia, de 1776, os cidadãos tomaram consciência de que são titulares de quatro direitos fundamentais: o direito à vida, o
direito à liberdade, o direito à busca da
felicidade e o direito de resistência. Como pode o cidadão desarmado defender sua vida e sua liberdade? Como pode almejar a felicidade, que, para a
imensa maioria dos seres humanos, significa apenas ter uma família, uma casa,
um salário? Como resistir ao Estado totalitário, à opressão, à prepotência?
A primeira lei de controle total de armas de fogo surgiu na França ocupada,
em 1940, logo depois da invasão alemã,
no governo títere de Pétain e Laval. Se a
França houvesse obedecido à lei iníqua,
não teria havido a Resistência.
Custa a crer que, mais de meio século
depois, o Brasil esteja correndo o risco
de imitar os nazistas. E nem é para controlar a população de um país ocupado.
É para dominar o próprio povo. Com
uma legislação dessas, o pracinha brasileiro que morreu lá na Itália morreu
mesmo em vão.
É curioso que os arautos da campanha
do desarmamento não proponham um
país sem crimes, mas apenas um país
sem armas. Porém, não escondem suas
intenções quando afirmam que "desarmar é apenas o começo". Pois bem, qual
é o fim?
O fim é acabar com a segurança pública e implantar a segurança privada. É
demolir a indústria nacional, que permitiu a auto-suficiência das Forças Armadas. E, em uma etapa seguinte, é o
desmanche das Forças Armadas e a liquidação do Estado nacional.
Nenhum governo tem a prerrogativa
de interferir na esfera privada do cidadão para transformar um direito em crime. Sobretudo ao arrepio da Constituição, dos direitos humanos e de usos e
costumes milenares que asseguram o
sagrado direito de defesa, a igualdade de
todos perante a lei e a incolumidade da
pessoa e protegem a casa como abrigo
inviolável do cidadão.
O governo é apenas preposto do povo,
e não o contrário. As armas que o governo tem pertencem ao povo. É o povo
que dá às Forças Armadas e à polícia as
armas com que devem defendê-lo e
proteger a pátria. O povo é o mandante,
o governo é o mandatário. O governo
não tem o direito de tirar do povo as
mesmas armas que o povo lhe deu. Enquanto um agente público tiver legitimidade para ter e portar armas, o cidadão comum também terá.
O primeiro passo das ditaduras para
transformar um cidadão em vassalo é o
confisco de suas armas de defesa. Negar
o acesso legal, a posse e o porte significam formas oblíquas de confisco. Um
país -qualquer país- em que todas as
armas se encontram apenas nas mãos
da polícia e dos criminosos não é um
país democrático.
Não permita que isso aconteça no
nosso país. Não abra mão de seu direito
de defender sua família, sua casa, seu salário, sua vida, sua pátria.
Flavio Flores da Cunha Bierrenbach, 65, bacharel em direito pela USP, é ministro do Superior Tribunal Militar. Foi vereador, deputado estadual e deputado federal, todos pelo MDB-SP.
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