São Paulo, quinta-feira, 22 de outubro de 2009

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TENDÊNCIAS/DEBATES

10 anos de atendimento humanizado na saúde

ELIANA RIBAS


O conceito de humanização vem revelando grande potencial para promover importantes avanços nos serviços de saúde

NO FINAL dos anos 90, pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde indicou que o aspecto mais valorizado pelos usuários dos serviços públicos de saúde era o respeito no atendimento. Os dados revelaram que os usuários desejavam ser ouvidos, compreendidos e acolhidos, e uma das principais conclusões da pesquisa foi a necessidade de reestruturação dos serviços de saúde.
A resposta do Ministério da Saúde foi a criação, em 2000, do Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar, propondo a introdução da assistência humanizada nos hospitais. A importância da iniciativa foi reconhecida e ampliada a partir de 2003, com a continuidade e a transformação do programa na Política Nacional de Humanização - Humaniza SUS.
Desde então, o conceito de humanização vem revelando grande potencial para promover avanços na organização e no funcionamento dos serviços de saúde. Trata-se de um princípio ético orientador que busca articular o avanço tecnológico e a ética do cuidado como fundamentos da atuação dos profissionais da saúde.
A humanização refere-se a um modo de organização e funcionamento dos serviços de saúde em que os avanços científicos da medicina, o respeito às necessidades dos cidadãos usuários e a atenção aos anseios dos profissionais são valorizados na mesma medida e de forma integrada.
Em 2007, pesquisa realizada pelo Ibope em São Paulo com gestores, profissionais e usuários dos serviços municipais de saúde apontou que práticas de humanização, tais como o cuidado no acolhimento, implantadas em 2000, eram reconhecidas por todos como atitudes que estavam no caminho certo para a qualificação dos serviços de saúde.
No Instituto do Câncer do Estado de São Paulo Octavio Frias de Oliveira (Icesp) acontece, hoje, uma experiência avançada de humanização.
Na assistência, as ações têm como principal eixo a constituição de equipes interprofissionais em que diversas especialidades atuam juntas para formar uma compreensão integral e compartilhada de cada paciente e do perfil de sua família -base para um atendimento mais efetivo.
Na gestão, a humanização se expressa com a criação de espaços de diálogo entre administradores e profissionais da saúde, a adoção de práticas de gestão participativa e o desenvolvimento de uma capacidade crescente para ouvir a voz dos pacientes.
O alcance desse último objetivo apoia-se na existência de um serviço de ouvidoria ativo e ágil e na realização de pesquisas que revelem o grau de satisfação dos usuários e apontem caminhos para o aprimoramento dos serviços.
A humanização é elemento decisivo para o alcance de melhores índices de adesão dos pacientes ao tratamento e de melhoria das condições de saúde. Ao estimular a inclusão do apoio familiar no plano de cuidados do paciente e, com isso, contribuir para a redução do tempo de internação e do índice de infecção hospitalar, a atenção humanizada também ajuda a reduzir custos e otimizar recursos.
Da mesma forma, ao investir na capacitação e no suporte à saúde física e emocional dos profissionais, garante maior motivação, participação e identificação com o trabalho, diminuindo o estresse, o absenteísmo e a rotatividade dos profissionais.
Um balanço dos últimos dez anos de busca de efetivação da humanização como um valor nos serviços de saúde revela que os desafios mais importantes para desenvolvimentos futuros nesse campo são:
1) fazer com que a voz dos usuários não seja minimizada diante do saber científico e da racionalidade burocrática das instituições da saúde, mas possa ser considerada como essencial para a avaliação e o aprimoramento dos serviços;
2) cuidar para que a especialização na medicina não se traduza em uma prática fragmentada do atendimento, mas se associe a uma visão integral e humanizada de cuidado;
3) superar os modelos de gestão verticalizada e pouco participativa, que acabam impedindo a adoção transversal de práticas de atendimento humanizado;
4) ter mecanismos de qualificação e motivação dos profissionais, como plano de carreira e programas de suporte à saúde física e emocional;
5) contribuir para a integração e para a cultura do diálogo e da cooperação nos espaços de regulação do atendimento nos vários níveis da rede;
6) buscar parcerias com escolas, centros sociais e organizações da sociedade civil que ajudem no acolhimento do usuário e na atenção integral destinada a ele.
É preciso abandonar o velho conceito de que humanização se resume a iniciativas pontuais de boa vontade individual. Para ser realmente eficaz, ela precisa se instalar no modo de pensar e agir que permeia todo o atendimento, da gestão à assistência hospitalar.


ELIANA RIBAS é coordenadora do Programa de Humanização do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo Octavio Frias de Oliveira. Foi coordenadora do Programa Nacional de Humanização Hospitalar, no Ministério da Saúde, entre 2000 e 2002.

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