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JOSÉ SARNEY
Tiririca e suas dúvidas
Não é tão simples assim a
análise do caso Tiririca, que
está oscilando entre o jocoso e
o jurídico. A verdade é que há
várias implicações gramaticais e pedagógicas envolvidas
nessa difícil definição de
analfabeto.
Antigamente, o conceito de
analfabeto estava circunscrito
a saber ler e escrever. Hoje,
surgiram várias graduações
de analfabeto, mas a Constituição se refere apenas a
"analfabeto". Criaram o analfabeto funcional, conceito
vasto, e não raras vezes alguns
diplomados são taxados de
analfabetos disfuncionais.
As provas ginasiais, colegiais e universitárias muitas
vezes são glosadas na imprensa como exemplos de absoluto
analfabetismo superior. O
analfabeto funcional é tido como quem só entende o que diz
respeito à sua função, e daí
passa a não entender nada.
Isso tem gerado discussões
e controvérsias, de tal modo
que hoje já se fala em alfabetização e letramento, que seria o
caminho para o que era antigamente chamado letrado.
Discussões à parte sobre filologia, na verdade a questão
são os conhecimentos de Tiririca, se ele é capaz de repetir
em sons os caracteres e transformar sons em caracteres, isto é, ler e escrever.
O voto do analfabeto foi
uma longa discussão martelada nas leis eleitorais desde o
Império, quando a condição
para votar e ser votado era ter
uma boa situação financeira,
o chamado voto censitário.
Até a Lei Saraiva -que sendo Saraiva foi redigida por Rui
Barbosa- não se falava em
analfabeto, talvez porque todos fossem. A partir dela se
proibiu o voto do analfabeto.
Castelo Branco propôs emenda constitucional permitindo-lhes o voto, que não foi aprovada. Só em 1985, pela Emenda Constitucional 25, quando
eu era presidente, o analfabeto teve direito a voto, mantido
na Constituição de 1988.
A verdade é que o argumento de que a leitura era a única
forma de instrução foi ultrapassado: com os avanços na
mídia visual, todos sabem tudo, estão por dentro de tudo e
podem opinar sobre tudo.
Um dia, perguntei ao grande compositor João do Vale
-"rosa amarela quando murcha perde o cheiro"-, poeta
dos melhores do Brasil, se sabia ler. Ele me respondeu: "Zé,
ler eu sei, mas esses pinguinhos é que me atrapalham".
Outro episódio aconteceu
comigo e o presidente Castelo.
Eu indiquei para diretor da
Caixa no Maranhão certa pessoa. Um senador do Estado foi
ao Castelo e disse que era um
analfabeto. O presidente me
indagou se era verdade. Eu
disse: "Presidente, faça um ditado entre ele e os três senadores do Estado e, se ele tirar a
menor nota, pode demitir".
Castelo riu e falou "Tá feito o
teste, você ganhou".
Ora, com estes exemplos é o
Tiririca que vai pagar pelo ensino brasileiro?
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta
coluna.
jose-sarney@uol.com.br
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