São Paulo, segunda-feira, 22 de novembro de 2004

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JOÃO SAYAD

A favor da fisiologia

O governo não venceu as eleições municipais. A economia cresce lentamente e há dúvidas sobre o futuro. Os programas sociais seriam difíceis de implantar mesmo se existisse dinheiro, e dinheiro não há.
A prova definitiva de que o resultado eleitoral foi negativo é o preço maior que os partidos da base governista estão cobrando pelo apoio. O governo negocia cargos e ministérios.
A vida política brasileira está organizada assim: PT e PSDB são os partidos com ideários próprios e propostas nacionais. Comandam o debate político e ganham eleições. Os outros partidos, pequenos ou grandes -como o PMDB e o PFL-, reúnem políticos que representam interesses particulares (regionais ou de grupos específicos). São cooperativas de políticos organizadas para ganhar eleições.
Essa descrição genérica não é crítica nem negativa. A democracia sobrevive apenas quando a maior parte dos eleitores pode ser classificada como "maioria silenciosa". E apenas uma pequena parcela participa ativamente da vida política nos extremos do espectro político à esquerda e à direita. Para ganhar eleições, os candidatos têm que caminhar para o centro do espectro.
Governabilidade e estabilidade políticas dependem de negociação permanente sobre temas particulares a preços módicos -verbas orçamentárias e cargos-, com a maioria silenciosa. Há pelo menos 20 anos que democracia e governabilidade dependem desse arranjo particular. Não podemos ser ingratos -é um arranjo que muitos países da América Latina não têm.
E os resultados de governabilidade são impressionantes: o governo confiscou 80% dos ativos financeiros privados em 1990, privatizou empresas, liberou receita vinculada a gastos sociais pela Constituição, aumentou a carga tributária até 38% (muitos países da América Central têm carga tributária de 10%) e convive há anos com desemprego elevado em regime democrático e estável. Os defensores de reformas políticas deveriam pensar duas vezes antes de mexer no que está funcionando.
A atual recomposição do governo trará frustrações e será um escândalo para os puristas. Estadistas, entretanto, reconhecem a fragilidade das instituições e saberão apreciar as manobras e o cuidado dos políticos para preservar governabilidade e democracia. O problema é a natureza do "espírito do nosso tempo" que ilustra a "maioria silenciosa" -horror fóbico à inflação e ao investimento público e complacência com a estagnação, o desemprego e a pobreza.
No curto prazo, o estadista deve respeitar os limites que o "espírito dos tempos" impõe à política. Entretanto não pode se iludir -mais oito anos de estagnação, a "maioria silenciosa" ganha voz e o arranjo político se desfaz. Os extremos do espectro político se tornam mais importantes e surgem os salvadores da pátria.
O estadista astuto garante governabilidade e democracia no curto prazo apenas para encontrar brechas no espírito do seu tempo que permitam resolver os problemas -pobreza e estagnação- aos quais não há democracia que resista.


João Sayad escreve às segundas-feiras nesta coluna.
E-mail: jsayad@attglobal.net


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