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JOÃO SAYAD
A favor
da fisiologia
O governo não venceu as eleições municipais. A economia
cresce lentamente e há dúvidas sobre
o futuro. Os programas sociais seriam
difíceis de implantar mesmo se existisse dinheiro, e dinheiro não há.
A prova definitiva de que o resultado
eleitoral foi negativo é o preço maior
que os partidos da base governista estão cobrando pelo apoio. O governo
negocia cargos e ministérios.
A vida política brasileira está organizada assim: PT e PSDB são os partidos
com ideários próprios e propostas nacionais. Comandam o debate político
e ganham eleições. Os outros partidos,
pequenos ou grandes -como o
PMDB e o PFL-, reúnem políticos
que representam interesses particulares (regionais ou de grupos específicos). São cooperativas de políticos organizadas para ganhar eleições.
Essa descrição genérica não é crítica
nem negativa. A democracia sobrevive apenas quando a maior parte dos
eleitores pode ser classificada como
"maioria silenciosa". E apenas uma
pequena parcela participa ativamente
da vida política nos extremos do espectro político à esquerda e à direita.
Para ganhar eleições, os candidatos
têm que caminhar para o centro do espectro.
Governabilidade e estabilidade políticas dependem de negociação permanente sobre temas particulares a preços módicos -verbas orçamentárias
e cargos-, com a maioria silenciosa.
Há pelo menos 20 anos que democracia e governabilidade dependem desse
arranjo particular. Não podemos ser
ingratos -é um arranjo que muitos
países da América Latina não têm.
E os resultados de governabilidade
são impressionantes: o governo confiscou 80% dos ativos financeiros privados em 1990, privatizou empresas,
liberou receita vinculada a gastos sociais pela Constituição, aumentou a
carga tributária até 38% (muitos países da América Central têm carga tributária de 10%) e convive há anos
com desemprego elevado em regime
democrático e estável. Os defensores
de reformas políticas deveriam pensar
duas vezes antes de mexer no que está
funcionando.
A atual recomposição do governo
trará frustrações e será um escândalo
para os puristas. Estadistas, entretanto, reconhecem a fragilidade das instituições e saberão apreciar as manobras e o cuidado dos políticos para
preservar governabilidade e democracia. O problema é a natureza do "espírito do nosso tempo" que ilustra a
"maioria silenciosa" -horror fóbico
à inflação e ao investimento público e
complacência com a estagnação, o desemprego e a pobreza.
No curto prazo, o estadista deve respeitar os limites que o "espírito dos
tempos" impõe à política. Entretanto
não pode se iludir -mais oito anos de
estagnação, a "maioria silenciosa" ganha voz e o arranjo político se desfaz.
Os extremos do espectro político se
tornam mais importantes e surgem os
salvadores da pátria.
O estadista astuto garante governabilidade e democracia no curto prazo
apenas para encontrar brechas no espírito do seu tempo que permitam resolver os problemas -pobreza e estagnação- aos quais não há democracia que resista.
João Sayad escreve às segundas-feiras nesta coluna.
E-mail: jsayad@attglobal.net
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