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Propostas acintosas
Demandas corporativas por aumento de salário desrespeitam o teto dos servidores, a realidade social e a situação fiscal
A CRIAÇÃO do Conselho
Nacional de Justiça,
em 2005, consubstanciou uma demanda de
décadas pelo controle externo do
Judiciário. Os primeiros passos
do novo órgão encorajaram seus
idealizadores: o CNJ encampou
causas espinhosas e prementes,
como a imposição aos Tribunais
de Justiça do teto constitucional
que limita o salário dos desembargadores a R$ 22.111.
Esse incipiente mas promissor
acúmulo de autoridade está
prestes a ser dinamitado -e por
obra do próprio conselho. A ministra Ellen Gracie, presidente
do Supremo Tribunal Federal e
do CNJ, enviou ao Congresso um
anteprojeto de lei que estabelece
pagamento de jetons aos 15
membros do colegiado. Se a proposta for aprovada, eles passarão
a receber salários superiores ao
teto do funcionalismo, hoje fixado em R$ 24,5 mil.
Só para participar das duas sessões que, em média, o CNJ realiza por mês, cada membro teria os
vencimentos elevados em mais
de R$ 5 mil. De acordo com a
proposta, 14 conselheiros passariam a receber R$ 28,8 mil por
mês; a presidente, R$ 30,3 mil.
Não bastasse o aumento superior a 20%, conselheiros também
reivindicam pagamento retroativo -mais R$ 80 mil a cada um.
Além de constituir um acinte
diante da realidade brasileira
-um trabalhador leva em média
dois anos e meio para obter o
provento mensal pretendido no
projeto do CNJ-, o pleito ameaça desmoralizar um órgão que
tem entre suas missões o dever
de zelar pelo cumprimento do
teto salarial no Judiciário.
Quando o CNJ impôs limites à
remuneração dos desembargadores, teve de combater o argumento de que "gratificações" não
fazem parte da composição do
salário. Agora, terá de se valer do
mesmo subterfúgio para justificar o salário superior ao limite
constitucional a ser pago a seus
integrantes. Com que autoridade, a partir de agora, o CNJ vai
cobrar a submissão a uma norma
que o próprio colegiado solapou?
Esse quadro de retrocesso institucional, inspirado na busca
corporativa por salários abusivos, não se restringe ao órgão de
controle do Judiciário. O Conselho Nacional do Ministério Público aguarda sanção presidencial para dispor do mesmo benefício pretendido pelo CNJ. No
Congresso, há uma campanha a
fim de elevar a remuneração parlamentar -alguns falam em dobrar seus vencimentos.
No momento em que se discutem reajustes mais modestos para o salário mínimo, a fim de controlar as despesas públicas, autoridades com remunerações altíssimas deveriam ter vergonha de
pleitear novos aumentos para si.
Deveriam dar exemplos de austeridade -e não de desfaçatez e
insensibilidade social.
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