São Paulo, quarta-feira, 22 de novembro de 2006

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Propostas acintosas

Demandas corporativas por aumento de salário desrespeitam o teto dos servidores, a realidade social e a situação fiscal

A CRIAÇÃO do Conselho Nacional de Justiça, em 2005, consubstanciou uma demanda de décadas pelo controle externo do Judiciário. Os primeiros passos do novo órgão encorajaram seus idealizadores: o CNJ encampou causas espinhosas e prementes, como a imposição aos Tribunais de Justiça do teto constitucional que limita o salário dos desembargadores a R$ 22.111.
Esse incipiente mas promissor acúmulo de autoridade está prestes a ser dinamitado -e por obra do próprio conselho. A ministra Ellen Gracie, presidente do Supremo Tribunal Federal e do CNJ, enviou ao Congresso um anteprojeto de lei que estabelece pagamento de jetons aos 15 membros do colegiado. Se a proposta for aprovada, eles passarão a receber salários superiores ao teto do funcionalismo, hoje fixado em R$ 24,5 mil.
Só para participar das duas sessões que, em média, o CNJ realiza por mês, cada membro teria os vencimentos elevados em mais de R$ 5 mil. De acordo com a proposta, 14 conselheiros passariam a receber R$ 28,8 mil por mês; a presidente, R$ 30,3 mil. Não bastasse o aumento superior a 20%, conselheiros também reivindicam pagamento retroativo -mais R$ 80 mil a cada um.
Além de constituir um acinte diante da realidade brasileira -um trabalhador leva em média dois anos e meio para obter o provento mensal pretendido no projeto do CNJ-, o pleito ameaça desmoralizar um órgão que tem entre suas missões o dever de zelar pelo cumprimento do teto salarial no Judiciário.
Quando o CNJ impôs limites à remuneração dos desembargadores, teve de combater o argumento de que "gratificações" não fazem parte da composição do salário. Agora, terá de se valer do mesmo subterfúgio para justificar o salário superior ao limite constitucional a ser pago a seus integrantes. Com que autoridade, a partir de agora, o CNJ vai cobrar a submissão a uma norma que o próprio colegiado solapou?
Esse quadro de retrocesso institucional, inspirado na busca corporativa por salários abusivos, não se restringe ao órgão de controle do Judiciário. O Conselho Nacional do Ministério Público aguarda sanção presidencial para dispor do mesmo benefício pretendido pelo CNJ. No Congresso, há uma campanha a fim de elevar a remuneração parlamentar -alguns falam em dobrar seus vencimentos.
No momento em que se discutem reajustes mais modestos para o salário mínimo, a fim de controlar as despesas públicas, autoridades com remunerações altíssimas deveriam ter vergonha de pleitear novos aumentos para si. Deveriam dar exemplos de austeridade -e não de desfaçatez e insensibilidade social.


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