São Paulo, terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MARCOS NOBRE

Meu caro amigo

MEU CARO amigo, me perdoe, por favor, se demoro para responder às tuas mensagens, como se ainda viessem pelo correio. Você quer saber por que o Lula anda sendo endeusado em cada coisa que se escreve sobre o Brasil por aí. Mas a questão é: quem está sendo endeusado, Lula ou o Brasil? Isso hoje divide o país em situação e oposição. E reúne os dois no "lulismo".
A tática de Lula é a de se tornar sinônimo de Brasil. (Tem até filme agora para dizer isso: "Lula, o filho do Brasil"). Quem é contra diz que tudo o que está acontecendo de bom vem de longe, que é obra do país, e não de Lula. Mesmo quem é contra não quer abrir mão do momento de sucesso.
Por que o Brasil está fazendo tanto sucesso? Porque tem um mar de dinheiro barato sobrando no mundo e para algum lugar rentável ele tem de ir. Adivinha? Para o Brasil, claro. A capacidade que tem o mercado financeiro de inventar modas é imbatível. Dinheiro conecta tudo. Até o mercado de arte brasileiro está bombando. (Acho que você está longe há tempo demais para saber o que é "bombar": é algo como "fazer muito sucesso").
Mas as modas do dinheiro sozinhas não explicam tudo. O Brasil de fato mudou de patamar no cenário. No momento, ainda muito mais pelo que pode ser do que pelo que é. O interessante é que a turma bem posta e bem pensante já colocou o que pode ser no lugar do que é. Basta alguém lembrar que a barbárie continua reinando para ouvir imediatamente: "coitado, ainda não superou o complexo de vira- lata". E isso de quem é contra e de quem é a favor do governo, não importa.
O andar de cima já deu por perdida a luta para desmoralizar a falta de modos de Lula, que tanta vergonha lhe causa. No fundo, Lula já é inofensivo porque está impedido de se candidatar em 2010. Mas o mais interessante é que até o "lulismo" se tornou em grande medida aceitável.
Visto do andar de cima, o lulismo significa a descoberta espantosa de que pobres que melhoram de vida consomem. Mais que isso, consomem direitinho, conforme os ditames cafonas de um mercado com a cabeça em Miami. Sem fazer muita algazarra. Ou pelo menos fazem algazarra fechados em shoppings devidamente segregados segundo seu poder aquisitivo. Não chegam a incomodar.
Quem incomoda são os políticos corruptos e o crime em larga escala. Mas faz parte do lulismo tratar essas coisas quase como efeitos colaterais inevitáveis. Em algum momento, também acabarão se rendendo ao sucesso do país. Fico por aqui. Já pedindo desculpas pela falta de espírito natalino. Nada mais lulista do que o Natal.
Do amigo,

nobre.a2@uol.com.br


MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta coluna.


Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: Uma noite de Natal
Próximo Texto: Frases

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.