São Paulo, terça-feira, 22 de dezembro de 2009

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Legalização de ativos no exterior

RAQUEL NOVAIS e FERNANDO COLUCCI


A confiança do cidadão no Estado seria o resultado medido pelo sucesso de um programa de legalização patrimonial no Brasil

É DE grande atualidade a discussão das medidas de controle sobre os países chamados paraísos fiscais.
Enorme fluxo de capitais passa por essas jurisdições sob as mais diversas formas, incluindo sociedades, "trusts" ou aplicações financeiras.
Grande parte desses ativos está adequadamente reportada às jurisdições de seus titulares. O desafio dos países, portanto, é conhecer os fluxos de capitais não reportados.
Embora as grandes potências mundiais tenham desenvolvido mecanismos de troca de informações e de combate à sonegação, o consenso é o de que a forma mais eficiente de alcançar a informação é a declaração pelo próprio contribuinte.
No início deste ano, a administração Obama iniciou nos Estados Unidos o programa "Voluntary Disclosure", com o objetivo de trazer à legalidade contribuintes que mantinham recursos não declarados no exterior.
O programa ofereceu anistia de ordem criminal relacionada à evasão de divisas e evasão fiscal, desde que recolhidos os tributos fixados.
Em balanço recente, as autoridades anunciaram o enorme sucesso da iniciativa, não só pelo prisma econômico mas também por permitir o melhor conhecimento da situação patrimonial dos contribuintes americanos.
No Brasil, as únicas perspectivas nesse sentido são dois projetos de lei de anistia, em lenta tramitação no Congresso Nacional, de iniciativas do senador Delcídio Amaral (PT-MS) e do deputado José Mentor (PT-SP).
A anistia alcançaria os crimes contra o sistema financeiro nacional e a sonegação fiscal. Excluem-se os valores de origem ilícita, decorrentes de tráfico, improbidade administrativa e crimes hediondos. Não se exige a repatriação dos recursos, mas a sua declaração e o pagamento dos tributos.
Esses projetos estão em linha com os programas adotados pelos Estados Unidos, pela Itália, pelo Reino Unido, pela Alemanha e pelo México.
As estimativas do deputado José Mentor indicam US$ 150 bilhões enviados ilegalmente ao exterior. Em recente relatório produzido para a ONG Oxfam abordando a evasão de divisas em nível mundial, James Henry associa ao Brasil um pouco mais de US$ 400 bilhões. Enorme parte desses recursos poderia se beneficiar de um programa de anistia.
Embora seja útil à sociedade discutir o valor das anistias e respeitável a defesa da punição como a melhor forma de controlar o comportamento social, oferecemos alguns contrapontos relacionados à específica questão em debate.
O estímulo à legalização voluntária no campo tributário já é valor incorporado ao nosso Código Tributário Nacional: a denúncia espontânea da infração é beneficiada com o perdão da multa. Os reiterados planos de anistia oferecidos nos últimos anos reforçam essa realidade.
Ocorre que a manutenção de ativos no exterior não pode se beneficiar de nenhum programa de anistia tributária, pois a circunstância de manter recursos não declarados no exterior atrai penas não excluídas com o pagamento dos tributos. Tipos penais como manter contas no exterior não declaradas têm punição autônoma e não seriam afastados com a adesão a qualquer dos planos domésticos de regularização patrimonial e tributária.
Entre os diversos países do mundo que têm oferecido programas de legalização patrimonial, o Brasil teria maiores razões para fazê-lo. Não se trata de justificar delitos cometidos, mas retomar, objetivamente, parcela de suas causas.
Ao fim dos anos 80 e ao início dos anos 90 associa-se a maior evasão ocorrida. As grandes rupturas institucionais havidas nesse período, incluindo diversas formas de confiscos patrimoniais, deixaram empresários sem recursos para empreender, e os idosos sem a poupança de uma vida inteira.
A estabilidade institucional completa duas décadas no Brasil. O controle dos fluxos de entrada de divisas é, atualmente, mais importante do que a punição à evasão ocorrida no passado. A gestão tributária é crítica e depende do conhecimento da situação patrimonial dos cidadãos.
Nesse cenário, o que é mais útil: a punição isolada de delitos cometidos, em parte pela desconfiança no próprio Estado, ou a anistia, em troca do melhor exercício da jurisdição tributária? É nossa opinião que o momento é de conciliação: o perdão seria recíproco. A confiança do cidadão no Estado seria o resultado medido pelo sucesso de um programa de legalização patrimonial no Brasil.


RAQUEL NOVAIS , mestre em direito tributário pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), é advogada.
FERNANDO COLUCCI é advogado.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br


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