São Paulo, sexta-feira, 23 de janeiro de 2009 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br Música, maestro!
JOÃO SAYAD
O MAESTRO John Neschling pediu demissão algum tempo atrás com o compromisso de permanecer no cargo até o fim do contrato, que se encerraria em outubro de 2010. O Conselho da Fundação Osesp, entretanto, resolveu antecipar o desligamento -Fernando Henrique Cardoso, presidente da Fundação Osesp, escreveu ao maestro, anteontem, explicando os motivos. Foi uma decisão unânime do conselho. Jornalistas explicaram as razões e a cronologia dos eventos com imprecisão e muitos erros. É natural -o maestro tem um número igual de admiradores e adversários. Aqui vai a explicação do secretário estadual da Cultura. Somos gratos ao maestro que deixa agora a Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo). Foi ousado ao propor a transformação da orquestra, selecionando músicos por processo impessoal e democrático, aberto a todos, contratados de acordo com as leis trabalhistas e com salários condizentes com a qualidade e a dedicação exigidas dos músicos. Brigou com a burocracia conservadora, convenceu autoridades orçamentárias e acabou criando uma orquestra de excelência artística, bem administrada e com personalidade. Claro que o maestro é apenas o protagonista mais visível entre tantos outros heróis. Foi Yoshiaki Nakano, secretário estadual da Fazenda na época, quem teve a ideia de excluir a estação Júlio Prestes do processo de privatização da Fepasa. O governador Mario Covas (1995-2001), secretários da Cultura, os músicos e muitos outros, maiores e menores, também merecem créditos pela obra. Todos os brasileiros são gratos. Entretanto, criadores e criaturas não convivem bem eternamente. Deus e Jó, pais amantíssimos, mães extremadas e filhos talentosos, dr. Higgins e Eliza ("My Fair Lady"). Olhando à distância e friamente, deveríamos dizer que se dão muito bem, sim, mas sofrem intensamente no momento da separação, quando a criatura ganha personalidade, autonomia e precisa ultrapassar os limites impostos pelo criador zeloso ao "seu" projeto de criatura. Nos últimos tempos, os músicos começaram a reclamar usando os meios de que dispunham -confidencialmente, por e-mails anônimos e em conversas particulares. Além disso, mas ainda em surdina, acumulavam criticas à própria condução artística da Osesp e à qualidade da regência. O estilo autoritário da liderança do maestro impedia que essas reclamações chegassem ao Conselho da Osesp -havia medo de represália, de demissões. Verdade que, historicamente, maestros são temperamentais, difíceis de conviver. Atualmente, isso não é mais verdade. E o Conselho da Osesp não podia deixar que o futuro da orquestra e a obra do maestro fossem comprometidos pelas explosões do maestro na imprensa, no YouTube ou até em palco. A preocupação máxima do conselho, da secretaria da Cultura e até dos amigos da orquestra, fãs de Neschling, era garantir uma transição tranquila. Demonstrar que o governo continua comprometido com o apoio à orquestra, que não existe conflito entre orquestra e governo. Não só porque não existe de fato esse conflito mas também porque essa é uma condição necessária para atrair e contratar novos maestros e músicos que permitam o crescimento ainda maior desse corpo musical. Quero deixar registrado o meu agradecimento ao Conselho da Osesp, que conduz a transição com habilidade e competência. Aos jornalistas, quero deixar registrado que a demissão não está de nenhuma forma associada a algum conflito pessoal entre Neschling e o governador. Em dois anos de governo, não fiz mais que relatar ao governador as informações que o conselho me transmitia confidencialmente para evitar problemas maiores nessa difícil transição. O governador administra um programa de investimentos ambicioso e a vida política do Estado. E, sem demérito à importância da Osesp, delegou totalmente ao secretário da Cultura as decisões sobre a orquestra. E o secretário confiou totalmente no discernimento e nas decisões do Conselho da Fundação Osesp. Começamos nova temporada. Tenho certeza de que Neschling, após alguns meses de mágoa e ressentimento, desejará boa sorte aos músicos e à orquestra criada por Eleazar de Carvalho e que ele conduziu por dez anos. Assim, só me cabe agora desejar sorte e sucesso ao maestro Neschling, dar as boas-vindas ao novo maestro e dizer-lhe que continuaremos apoiando com entusiasmo a grande orquestra de São Paulo. Música, maestro! JOÃO SAYAD, 63, doutor em economia pela Universidade Yale (EUA), é o secretário da Cultura do Estado de São Paulo. Foi secretário de Finanças e Desenvolvimento da prefeitura de São Paulo (gestão Marta Suplicy), secretário da Fazenda do Estado de São Paulo (governo Montoro) e ministro do Planejamento (governo Sarney). Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Luiza Nagib Eluf: O médico, a ética e a lei penal Índice |
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