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FERNANDO DE BARROS E SILVA
Ensaio sobre o aguaceiro
SÃO PAULO - Aguaceiro, diz o
Houaiss, é uma "chuva forte, súbita
e passageira"; mas também pode
ser, em sentido figurado, "contrariedade, infelicidade inesperada,
infortúnio". Os paulistanos conhecem de perto os dois significados: a
chuva forte vem e passa; o infortúnio fica. E nem se pode dizer que seja uma "infelicidade inesperada".
É certo que chove um bocado
neste janeiro. Mas também é imoral buscar nos humores da natureza
as razões de um colapso que se explica muito melhor pelo descaso
histórico com o planejamento da cidade, associado à incompetência e
incapacidade da administração demo-tucana para ao menos notar a
extensão e gravidade do problema.
A chuva voltou a fazer estragos
em todas as regiões da capital e provocou alagamentos em 112 pontos
na madrugada de quinta. Tomando-se a Grande São Paulo, dez pessoas morreram. O Tietê -o rio infecto que, segundo os tucanos, não
alagaria mais- transbordou pela
terceira vez desde que sua calha foi
rebaixada, em 2006. Os congestionamentos ontem batiam na casa
dos 140 km -isso em janeiro, quando estima-se que de 20% a 30% da
frota esteja fora de circulação.
Obras de drenagem contra enchentes insuficientes, piscinões saturados, bueiros entupidos, solo cada vez menos permeável. O mar de
laje da zona leste é uma das imagens mais tristes da tragédia paulistana. É evidente que essa é uma batalha que vem sendo perdida pela
cidade, com transtornos para todos
e danos intoleráveis para os pobres.
Havia cobras, ratos e vidas estragadas aos montes sob a água suja
quando, depois de dias, Gilberto
Kassab deu o ar da graça no Jardim
Pantanal. O prefeito agora, mesmo
vaiado, pede que a população "fique
tranquila", o que parece menos
uma demonstração de serenidade
do que de desconexão com a realidade. Enquanto isso, Serra avisa a
rapaziada pelo twitter que este é
um "ano anômalo". De fato, um ano
surreal. Já encontramos até peixe
morto em túnel alagado. Quem sabe ainda vão achar tucano afogado.
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