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São Paulo, domingo, 23 de fevereiro de 2003

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CLÓVIS ROSSI

O mau exemplo que deu certo

LOS ANGELES - Tempos atrás, depois de um encontro profissional com uma personalidade japonesa, o embaixador do Brasil em Tóquio, Ivan Cannabrava, recebeu do interlocutor um melão de presente. Ficou feliz da vida, certo de que havia conquistado um amigo importante para as relações Brasil/Japão.
Feliz com um melão como presente? Sim, felicíssimo. Melões são estupidamente caros no Japão. Aliás, quase tudo no Japão é infernalmente caro, mas o preço do melão supera qualquer racionalidade.
Culpa do protecionismo agrícola, claro. Os japoneses preferem pagar preços delirantes a reduzir as tarifas para importar alimentos em geral no pressuposto de que estão defendendo o bem-estar de seus produtores rurais e a segurança alimentar.
Num país que foi arrasado durante a Segunda Guerra Mundial (1939/ 45), entende-se a preocupação em assegurar o abastecimento interno sem depender muito de importações, ao menos no que é vital para a dieta japonesa (o arroz, por exemplo, para o qual a tarifa é de 490%).
Foi usando essa muralha protetora também em outros setores (indústria automobilística, por exemplo) que o Japão conseguiu sair das cinzas da guerra para, em 30 anos, pouco mais, pouco menos, transformar-se na segunda potência econômica do planeta e na terceira maior renda per capita, além de ser (ou principalmente sendo) uma sociedade razoavelmente homogênea. Muito homogênea se comparada com o Brasil, em especial, mas também com os EUA.
Nos dez ou 12 anos mais recentes, no entanto, a economia japonesa entrou em coma. Parece o Brasil com a inflação: não há plano econômico que consiga reativar a economia.
Ainda assim, na superfície ao menos, a crise é imperceptível e a sensação é, ao contrário, de vigor. Mas é um mau exemplo para o neoliberalismo: fazendo o que hoje é anátema, o Japão deu tão certo que tem gordura para queimar durante anos e anos de coma econômico.



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