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São Paulo, domingo, 23 de fevereiro de 2003

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O embaixador foi atendido

WALTER BARELLI


Por que não pensarmos na elaboração de um índice que mostre toda a realidade do emprego e do desemprego no Brasil?

No longo tempo em que trabalhei no Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos), recebi várias visitas de interessados em ter informações mais exatas sobre a situação brasileira. Em uma época obscurantista, em que a censura evitava a transparência nas informações, o Dieese, mantido e dirigido pelo movimento sindical, exerceu o papel de apresentar estatísticas confiáveis. No momento em que o IBGE apresenta novas estatísticas de desemprego e revê conceitos anteriores, quero relatar uma pequena história que demonstra como estatísticas mal formuladas são desmentidas pela vida real.
Vamos à história. Nos anos 70, fui procurado pelo embaixador inglês, interessado em ter informações sobre a situação social brasileira. Chegou à sede do Dieese com toda a pompa do seu cargo, carro oficial com bandeiras e batedores. Subiu os três lances de escada do sindicato dos marceneiros, onde estava instalado o departamento. Na conversa interessada, ele finalmente chegou ao capítulo do emprego, perguntando: "Professor, qual a taxa de desemprego no Brasil?". Respondi que não havia medida oficial do desemprego, mas que, por meio dos dados do Censo, chegava-se à taxa de 3,5%, admitida como número oficial e assim apresentada à OIT (Organização Internacional do Trabalho).
"Impossível", redarguiu o embaixador. "Não é esse o desemprego que vejo nas ruas. Esse número não reflete a realidade." Concordei com ele e disse que havia um desejo de o Dieese também ter um índice de desemprego para um melhor posicionamento do movimento sindical e que objetivávamos saber qual a taxa verdadeira.
No desenvolvimento da taxa de desemprego do Dieese, essa conversa sempre me vinha à lembrança. Tanto assim que se procurou chegar a números que mostrassem o que nós vivenciávamos no dia-a-dia. A metodologia adotada, desenvolvida em conjunto com a Fundação Seade, da Secretaria da Economia e do Planejamento do Estado de São Paulo, define como desemprego aberto aquele de pessoas que procuram emprego e não o conseguem nos últimos 30 dias e como desemprego oculto a situação de desempregados desalentados ou que sobrevivem com trabalhos esporádicos.
O IBGE já começou a divulgar a taxa de desemprego, considerando desempregados aqueles que procuraram e não encontraram emprego nos últimos 30 dias. Até agora, o tempo considerado para o desemprego era de uma semana. Com isso, a taxa de desemprego aberto passa de 6% para 11%.
Hoje, a taxa de desemprego aberto, tanto a do IBGE como a do Dieese/Seade, tem correspondência mais próxima com a observação do que vemos na rua. Isso mostra que o embaixador inglês tinha razão.
No entanto, ainda há muito a fazer. Ambas as taxas se referem a regiões metropolitanas, ou seja, ainda não sabemos qual o desemprego do Brasil e de cada um de seus Estados. Pesquisas mostram que, se fossem incorporadas no cálculo amostras de cidades do interior do Estado de São Paulo, a taxa de desemprego seria muito diferente. Lembro-me que a Bélgica, país com área territorial menor que a do Estado de São Paulo, pesquisava em 60 cidades para chegar ao índice nacional. Boas políticas de emprego têm de ser baseadas em informações corretas. Por que não pensarmos em um índice que mostre toda a realidade do emprego e do desemprego no Brasil?

Walter Barelli, 64, é economista e professor da Unicamp. Foi ministro do Trabalho (Governo Itamar Franco) e secretário do Emprego e Relações do Trabalho (governos Mário Covas e Geraldo Alckmin).


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