São Paulo, quinta-feira, 23 de fevereiro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

O iminente suicídio do PSDB

AUGUSTO DE FRANCO

O fato é que o PT, ajudado pelas oposições, recuperou a ofensiva. Até o Berzoini, aquele que ganhou o troféu da crueldade por ter colocado os aposentados idosos na fila, já ridiculariza abertamente os pré-candidatos Alckmin e Serra, chamando-os de "chuchu" e "ex-ministro da Dengue". Processa Fernando Henrique e ameaça levar o presidente do PSDB, Tasso Jereissati, às barras dos tribunais. Proclama, com arrogância, que o PT merece respeito. E não encontra resposta à altura. Daqui a pouco, pessoas como eu ficarão com medo de escrever artigos como este.


Alckmin X Serra é uma disputa de vaidades, motivada por pretensões pessoais colocadas acima de um projeto coletivo


Enquanto isso, Lula continua fazendo campanha, usando a máquina pública descaradamente. E também não recebe resposta à altura. Coisa espantosa: as oposições não são capazes de dar uma única resposta adequada à conjuntura.
Tucanos e pefelistas deveriam estar preocupadíssimos, mas não esquentam muito. Ao contrário de alguns de nós, que estamos vendo o perigo, não se desesperam. Acham que estão num jogo de salão, num clube de elite, numa bela tarde de sábado, pensando no que farão logo mais, se vão ao show dos Rolling Stones ou do Bono. Imaginam que dispõem de todo o tempo do mundo para virar o jogo eleitoralmente.
Não dispõem. Segundo o Datafolha de ontem, Lula já conseguiu dobrar a sua votação entre os que ganham mais de dez salários mínimos. O tempo está se esgotando e, se não mudarem de comportamento ainda em fevereiro ou no início de março e se não aparecer no Brasil um movimento de opinião insurgente que resolva dar um basta em Lula e sua turma, as oposições fracassarão.
O que era erro agora é simples burrice. Burrice é a melhor das hipóteses. A menos ofensiva para as oposições. Pois, convenhamos, como pode se justificar alguém que, tendo a faca e o queijo nas mãos, resolve jogar tudo fora, assim, de graça? Se não for burrice, é o quê? (Um observador menos generoso poderia pensar que eles não querem realmente ganhar, que querem nos trair, competindo para perder e para acumular forças para 2010).
Alguns se consolam dizendo que a vida é assim. Mas o que está acontecendo com o PSDB não é fruto do acaso ou contingência imposta pelas limitações de um partido convencional. É resultado, em parte, da sua particularíssima e inconsistente formação como frente de personalidades e, em parte, conseqüência de seus erros passados, sobretudo do erro -crasso- de ter apostado estrategicamente numa sanção eleitoral (no futuro) para os crimes do governo, ficando sem tática (no presente).
Sim, PSDB e PFL são responsáveis pelo fato de Lula ter se mantido até aqui. E são responsáveis pela sua recuperação. E serão os grandes responsáveis por sua reeleição. Ou seja, se não mudarem de comportamento e se não virarem o jogo contando com a ajuda de uma opinião pública insurgente, passarão à história como os grandes (ir)responsáveis. A não ser que aconteça um milagre, vão ter que responder, durante anos a fio, pela enrascada em que meteram o país.
Sustentaram Lula todo esse tempo, apesar da avalanche de evidências que autorizariam a sua remoção institucional -ou, pelo menos, a imposição de um constrangimento forte que obrigasse o presidente a uma mudança de comportamento-, sem nenhuma estratégia política, a não ser derrotá-lo eleitoralmente, fazendo a aposta, pra lá de temerária, na manutenção do seu desgaste por 15 meses depois dos escândalos! Foi assim que trocaram a política pela loteria do calculismo eleitoreiro.
Não sou eu que estou dizendo. Ressaltando o papel da oposição para assegurar a governabilidade do país, o presidente nacional do PSDB declarou na semana passada que, "se fôssemos irresponsáveis como eles [petistas] foram, teríamos paralisado o governo desde o ano passado". Pois é, não paralisaram mesmo. Foi uma opção consciente. Não queriam derrotar Lula. Queriam que ele se suicidasse.
Para não sair mal na foto, por puro bom-mocismo, nem mesmo tomaram, num primeiro momento, qualquer iniciativa para expor à nação as evidências de crimes cometidos pelo presidente da República e pelo seu partido. Pegaram carona na imprensa e quiseram surfar a onda numa boa. Para lucrar com o esforço alheio. Para tirar as castanhas do fogo com as mãos dos outros. Para levar vantagem sem se sujar. Tudo muito ruim. Como prova de caráter partidário, tal comportamento evidencia, digamos, alguma coisa que não se deve imitar. "Tirem as crianças da sala!", diria um pai zeloso diante desse péssimo exemplo, de oportunismo vulgar.
Agora, porém, com a campanha lulista em pleno andamento -na única hora em que teriam, segundo sua própria estratégia furada, de ganhar as ruas-, os tucanos resolveram amarrar os pés na mesa da sala para não sair de casa, enquanto não conseguem resolver essa ridícula disputa interna Alckmin versus Serra. Uma disputa de vaidades, motivada por pretensões pessoais colocadas acima de qualquer projeto coletivo.
E Lula já comprou o camarote para assistir, sorrindo, ao suicídio daqueles que queriam que ele se suicidasse.

Augusto de Franco, 55, é analista político do site e-Agora (www.e-agora.org.br) e autor de, entre outros livros, "Capital Social". Foi membro do comitê executivo do Conselho da Comunidade Solidária durante o governo FHC (1995-2002).


Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES
Gustavo Franco: O falso debate sobre o câmbio

Próximo Texto: Painel do leitor
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.