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JOSÉ SARNEY
Palpite infeliz
QUANDO AINDA estamos
com cheiro de Carnaval, me
seduz o nome da música do
Noel Rosa, título deste artigo. É um
dos casos em que mais se aplica
aquele fardo da política brasileira
de, em momento de calmaria, surgir um anjo negro, chamado por
um conterrâneo meu, Gomes de
Castro, de "gênio perverso", fazendo das suas. Rui Barbosa dizia ser
Gomes de Castro, que o contestara
na discussão sobre a "Anistia", o
nosso maior orador. Quem conta é
Tobias Monteiro, no seu pequeno
mas excelente livro "Pesquisas e
Depoimentos", estudos sobre o fim
do Império e o princípio da República. Dizia ele que, quando as coisas estão boas, céus limpos, sol e esperança, surge uma nuvem negra,
gratuitamente, sem nada para justificar, e tolda o ambiente.
É assim que vejo o debate sobre
plebiscito, referendo e existência
do Senado. Nada mais inoportuno.
O presidente Lula sai das urnas
com uma vitória estrondosa. Firma-se como uma das lideranças
populares mais sólidas da história
do país. Amadurece, adquire experiência e prepara-se para fazer um
excelente segundo mandato. Tem
tudo para isso. Constrói o PAC, um
plano que, se não tem tudo nem é o
ideal, é o possível e necessário para
fazer uma das coisas em que há
unanimidade no Brasil, que é o desejo e a necessidade de crescer. Todos os esforços do governo e suas
forças concentram-se nesse objetivo, já que conseguimos demarrar
no item do desenvolvimento social, que era um buraco negro em
nossa vida. Tudo indo bem, nenhuma discussão sobre desvios democráticos, dólar baixo, inflação idem,
superávits comerciais, melhora no
perfil da dívida interna e diminuição da externa, eis que resolvem
colocar polêmicas desnecessárias.
Vamos dizer que esses temas não
são proibidos. Mas nunca no momento em que Hugo Chávez, Evo
Morales e Rafael Correa usam esses instrumentos para assegurar
continuidade autoritária no poder.
Não esqueçamos que os parlamentos desses países estão acuados por
uma mídia em tempo real, alimentada por ações de Estado voltadas
para o exercício do poder pessoal,
num retrocesso democrático. Ninguém seja ingênuo de pensar que
não se faz essa ilação.
No Brasil, é justamente o contrário: aprofundar e avançar na democracia. Portanto colocar na cabeça
do presidente Lula um boné que
ele nunca usou comprometeria sua
biografia, e não é justo nem cabe.
Extinguir o Senado seria acabar
com a Federação e a República.
Quem prega isso não sabe que Benjamin Franklin, com a idéia bicameral, salvou as colônias norte-americanas da divisão, viabilizando os Estados Unidos. É tema mesmo para Noel Rosa.
jose-sarney@uol.com.br
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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