São Paulo, sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

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JOSÉ SARNEY

Palpite infeliz

QUANDO AINDA estamos com cheiro de Carnaval, me seduz o nome da música do Noel Rosa, título deste artigo. É um dos casos em que mais se aplica aquele fardo da política brasileira de, em momento de calmaria, surgir um anjo negro, chamado por um conterrâneo meu, Gomes de Castro, de "gênio perverso", fazendo das suas. Rui Barbosa dizia ser Gomes de Castro, que o contestara na discussão sobre a "Anistia", o nosso maior orador. Quem conta é Tobias Monteiro, no seu pequeno mas excelente livro "Pesquisas e Depoimentos", estudos sobre o fim do Império e o princípio da República. Dizia ele que, quando as coisas estão boas, céus limpos, sol e esperança, surge uma nuvem negra, gratuitamente, sem nada para justificar, e tolda o ambiente.
É assim que vejo o debate sobre plebiscito, referendo e existência do Senado. Nada mais inoportuno.
O presidente Lula sai das urnas com uma vitória estrondosa. Firma-se como uma das lideranças populares mais sólidas da história do país. Amadurece, adquire experiência e prepara-se para fazer um excelente segundo mandato. Tem tudo para isso. Constrói o PAC, um plano que, se não tem tudo nem é o ideal, é o possível e necessário para fazer uma das coisas em que há unanimidade no Brasil, que é o desejo e a necessidade de crescer. Todos os esforços do governo e suas forças concentram-se nesse objetivo, já que conseguimos demarrar no item do desenvolvimento social, que era um buraco negro em nossa vida. Tudo indo bem, nenhuma discussão sobre desvios democráticos, dólar baixo, inflação idem, superávits comerciais, melhora no perfil da dívida interna e diminuição da externa, eis que resolvem colocar polêmicas desnecessárias.
Vamos dizer que esses temas não são proibidos. Mas nunca no momento em que Hugo Chávez, Evo Morales e Rafael Correa usam esses instrumentos para assegurar continuidade autoritária no poder.
Não esqueçamos que os parlamentos desses países estão acuados por uma mídia em tempo real, alimentada por ações de Estado voltadas para o exercício do poder pessoal, num retrocesso democrático. Ninguém seja ingênuo de pensar que não se faz essa ilação.
No Brasil, é justamente o contrário: aprofundar e avançar na democracia. Portanto colocar na cabeça do presidente Lula um boné que ele nunca usou comprometeria sua biografia, e não é justo nem cabe.
Extinguir o Senado seria acabar com a Federação e a República. Quem prega isso não sabe que Benjamin Franklin, com a idéia bicameral, salvou as colônias norte-americanas da divisão, viabilizando os Estados Unidos. É tema mesmo para Noel Rosa.


jose-sarney@uol.com.br

JOSÉ SARNEY
escreve às sextas-feiras nesta coluna.


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